Fundada em 1956, a Moto-Peças S.A. Transmissões e Engrenagens foi a maior indústria brasileira de componentes de câmbios e diferenciais da década de 70. Com instalações industriais em São Paulo e Sorocaba (SP) participou, sob coordenação do
Exército, de diversos projetos de revitalização de equipamento militares ultrapassados ou de difícil manutenção. O trabalho conjunto com as Forças Armadas teve início em meados dos anos 70, quando modernizou cerca de 30 tratores de artilharia
M-4, fabricados pela Allis-Chalmers na década de 40. A reforma envolveu a troca da caixa de marchas, transmissão, motor (por
Scania de 260 cv), esteiras, roletes e suspensão (os três últimos fornecidos pela Novatração). Logo a seguir a empresa projetou e produziu as caixas de marcha para a série de blindados
X-1A2 Carcará, fabricados pela
Bernardini, estes derivados da modernização dos tanques M3 Stuart da II Guerra Mundial. Inspirada por estas duas experiências a Moto Peças cogitou, no final da década, também produzir máquinas para uso civil, esboçando planos de aqui fabricar tratores agrícolas da norte-americana
White; a idéia, contudo, não frutificou.
No início da década seguinte, em conjunto com o CTEx, a empresa desenvolveu um projeto de aproveitamento dos velhos tanques Sherman M-4, dos quais o Exército possuía grande quantidade, transformando-os em carros blindados para engenharia. Montados sobre o chassi do M-4, do qual utilizava a suspensão e transmissão, foram equipados com lâmina frontal (intercambiável com um caça-minas) e grua hidráulica com lança rebatível e capacidade de içamento de até 10 t. Comportando tripulação de até oito homens, pesavam 29 t e conseguiam arrastar viaturas de até 40 t. Foi preparada uma pré-série de onze veículos, porém o resultado dos testes não foi satisfatório e o carro não chegou a ser homologado. Projeto mais bem sucedido foi o repotenciamento da frota de 72 obuseiros M-108 do Exército; fabricados na década de 60 e recebidos dos EUA em 1972, tiveram seu motor Detroit V8 diesel de cara manutenção substituído por um Scania nacional de 385 cv.
Na mesma época a Moto Peças foi responsabilizada pela modernização dos anfíbios M113, dando origem à série
M113-B. Lançados em 1960, nos EUA, eram veículos leves para transporte de tropas (9 t), blindados em duralumínio, dos quais o Brasil recebera uma frota de mais de 500 dez anos depois. A reforma envolveu a substituição do motor original, um V8 Chrysler de 215 cv a gasolina, com o elevadíssimo consumo de um litro por quilômetro, por um diesel nacional (
Mercedes-Benz de seis cilindros e 180 cv); mantendo o desempenho, a troca permitiu aumentar a autonomia em mais de 70%. Também foram substancialmente alterados os sistemas elétrico, de alimentação e arrefecimento. O primeiro lote reformado foi entregue em novembro de 1985.
(Sinal dos “novos tempos” de globalização, desnacionalização e desindustrialização do país, 25 anos depois parte da frota de M113-B do Exército passaria por nova modernização, só que então mediante convênio com os EUA e efetuada por uma empresa estrangeira – a britânica
BAE Systems. Na mesma altura foi iniciada a reforma dos equipamentos pertencentes ao Corpo de Fuzileiros Navais, no caso realizada segundo projeto e sob supervisão de uma empresa israelense.)
O mais importante – e último – grande projeto de veículo militar com o qual a Moto Peças se envolveu foi o anfíbio rápido para desembarque de pessoal Charrua. Era intenção inicial do Exército apenas modernizar as viaturas M-59, oriundas da guerra da Coréia, porém acabou optando por criar uma nova família, agregando em um só veículo as qualidades do M-59 e do antigo M-113. Iniciados os estudos em 1983, o primeiro protótipo foi apresentado dois anos depois. Blindado para resistir a munições de 7,62 mm, podia ter proteção para armas com o dobro do calibre (até .50), mediante a aplicação de placas cerâmicas nas superfícies externas. Acionado por motor Scania de 394 cv, posicionado na dianteira direita, ao lado do operador, possuía caixa automática norte-americana Allison (duas marchas à frente e ré), suspensão por dez barras de torção e oito amortecedores hidráulicos e propulsão na água por dois hidrojatos. O acesso podia se dar pela larga rampa traseira de acionamento hidráulico, por duas portas localizadas na rampa ou por duas escotilhas no teto; o carro dispunha de seis seteiras e três periscópios, um deles para visão noturna.
Testado pelas Forças Armadas (também a Marinha por ele se interessou), o Charrua demonstrou excelente desempenho e facilidade de manobras tanto na terra (pela capacidade de girar em torno do próprio eixo) como na água (pela agilidade permitida pelo hidrojato). Alguns ajustes foram feitos no veículo, principalmente no exterior, originando o segundo protótipo, Charrua II. Em sua configuração básica o veículo transportava três tripulantes e nove soldados, podendo chegar ao total de 22; o peso variava entre 17 e 23 t, dependendo da versão. A enorme diversidade de usos (eram onze as versões disponíveis) era um dos principais atributos do Charrua: foi projetado para operar como carro-comando, ambulância, socorro, carro-oficina, comunicações, radar, antiaéreo, canhão de 155 mm, lançadores de mísseis, porta-morteiros de 120 mm e transporte de cargas.
O Charrua II permaneceu em testes até os anos 90. Apesar de seus dotes, o corte radical de orçamento sofrido pelas Forças Armadas impediu que o modelo fosse colocado em produção. Em paralelo, a redução das exportações, que levou a indústria brasileira de material bélico à quase extinção, acabou por inviabilizar o projeto, que ficou reduzido aos dois protótipos. Embora se tenha enfraquecido com a falta de encomendas, a Moto Peças – ao contrário da quase totalidade das empresas nacionais envolvidas com o desenvolvimento de material de defesa – conseguiu sobreviver, ainda hoje operando sob a razão social Moto Peças Transmissões S.A..
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