quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

JEEP STATION WAGON" E FAMILIA - Parte 3



Em 1946, junto com a Station Wagon, a Willys lançou o primeiro veículo comercial da série especialmente desenhado para transporte de carga leve. Era a versão pick-up que usava a mesma configuração de frente e cabine das Wagons e uma caçamba com os paralamas externos e, assim como a Wagon, tinha o mesmo motor "Go-Devil"  de 63 hps que equipou toda a linha até o surgimento do "Hurricane".
Ela era oferecida nas formas de pick-up, pick-up com caçamba de madeira, chassis com cabine ou apenas chassis. Era produzida na mesma plataforma 4x2 de 104 polegadas entres eixos, da perua, e tinha a capacidade para 500 quilos de carga. Em 1947 uma nova versão já com a configuração 4x4, mais robusta e mais longa (com 118 polegadas entre eixos), foi introduzida e a capacidade de carga foi aumentada para uma tonelada.
O fato de terem aumentado o comprimento e colocado a tração, fez com que o peso aumentasse para algo em torno de 1.545 Kgs mais ou menos. Só para você ter uma idéia do que isso significava, o jeep pesava em torno de 1.100 Kgs e o furgão, por sua vez, era algo pela casa dos 1.170 Kgs. Com base nesses dados dá para se ter uma idéia de que a relação peso-potência dessa nova versão 4x4 não era nada empolgante.
Em 1950, seguindo a linha das Wagons, a frente mudou para a versão com grade em "V" e que ficou conhecida, aqui no Brasil, como "Bicuda".
O número de veículos produzidos em 1951 chegou a um total de 22.282 unidades, bem acima de 25% da produção total da Willys.
A linha de acessórios disponíveis incluía uma tomada de força, uma polia traseira para movimentação de implementos agrícolas (semelhante à do jeep) e um dispositivo chamado "governor" que controlava a rotação do motor para que a velocidade do veículo se mantivesse sempre estável, independentemente da carga ou rampas que eventualmente ele estivesse levando ou subindo.
A grosso modo seria aquele dispositivo que os carros modernos usam para manter uma velocidade de cruzeiro numa estrada sem que o motorista tenha que ficar com o pé no acelerador o tempo todo.

A grande diferença é que o "governor" aumentava ou diminuía o giro do motor sozinho, dependendo do que ele "sentisse" que estava acontecendo. Êle "sentia"  isso através de uma segunda polia em paralelo à polia do virabrequim que aumentando ou diminuindo o giro fazia com que ele acionasse, através de umas alavancas, os comandos do carburador e restabelecesse a velocidade pré-regulada.
Essas pick-ups não eram exatamente baratas. A versão 4x2, por exemplo, custava US$ 73,00 a mais do que uma pick-up Chevrolet de 3/4 de tonelada. O que ela tinha era, no mínimo, um fator que fazia a grande diferença: a sua reputação de durabilidade e resistência herdada dos valorosos Jeeps militares da Segunda Guerra. E, na realidade, naquela época não havia competidores à altura para os modelos com tração nas quatro rodas.
Logicamente existiram as versões militares e as destinadas para exportação. As de exportação tinham pequenas diferenças de acordo com as especificações do comprador, como, por exemplo, a direção do lado direito para os países que tinham essa característica. Pode parecer estranho, mas se você tem uma Rural fabricada pela Willys do Brasil, dê uma olhada na longarina do lado do passageiro no lugar onde é fixada a parte de trás do feixe de mola dianteiro e você encontrará uma furação exatamente igual à que existe do lado esquerdo prendendo a caixa de direção. Isso significa que existiram Rurais com direção do lado direito sendo fabricadas aqui, para exportação.
Nas versões militares as modificações eram um pouco maiores, devido a algumas exigências específicas, como por exemplo, vidros repartidos, ausência de portas, caçamba maior e dispositivo para transporte de vários soldados com equipamento.
 
Aqui no Brasil, as pick-ups da Willys tiveram a sua estréia na mesma época que as Wagons e seguiram a sua carreira praticamente paralela a da perua.

Jeepster
Em 1948 com as Wagons, os jipes e as pick-ups vendendo muito bem, a Willys esperava abocanhar mais uma fatia de mercado. Esse setor foi criado pelos soldados americanos que retornavam da Europa para casa, depois da guerra. Lá na Europa, esses soldados aprenderam a gostar dos pequenos carros esporte ingleses. Os MGs TA e TB (construídos entre 1936 e 1939) eram exatamente esse tipo de carro e quando os soldados chegaram, perceberam que nenhum fabricante americano fazia um carro como os MGs. De fato, muitos soldados que haviam comprados MGs durante e depois da guerra, os trouxeram junto para casa.
A Willys esperava aproveitar a popularidade desse tipo de veículo para produzir outro veículo com a mesma magia do jeep e do MG. Esse veículo deveria ser um cruzamento entre o jeep e um carro esporte e ele iria se chamar Jeepster. O nome havia sido criado mais de cinco anos antes por Joe Frazer, então presidente da Willys-Overland.
Uma pequena explicação sobre o porquê do nome: "Jeep" por questões óbvias e como se queria criar um veículo esportivo e, em inglês, o nome para carros esportivos é "sporter", portanto a união do primeiro com a terminação do segundo deu o nome de batismo da nova criança da Willys - Jeepster.
Na verdade, ele estava longe de ser um genuíno carro esporte. Nenhuma empresa americana estava produzindo carros esporte naquela época. Mas, era um carro aberto - o primeiro phaeton (carro aberto) americano da década - e ele certamente tinha um charme esportivo. Melhor ainda, o seu estilo era distintamente herdado do jeep.
 
Desenhado também por Brooks Stevens, o Jeepster fez sua primeira aparição em 3 de abril de 1948. O Jeepster representava um esforço para ampliar a linha de produtos da Willys e era direcionado para um público mais jovem do que o da Wagon e mais urbano do que o do jeep. Ele foi desenvolvido a um custo bastante reduzido já que toda a parte mecânica veio diretamente da linha de montagem da Station Wagon e o chassi, que também veio da Wagon foi enrijecido com a adição de um reforço em "X".
 
 
Os custos com ferramental de estamparia também foram bastante reduzidos, já que a grade, o capo e os paralamas dianteiros foram pegos da Wagon e os paralamas traseiros vieram das pick-ups. Não havia vidros fixos a não ser o parabrisa e o quebra-vento. Havia apenas duas portas e isso nos modelos de produção, pois o primeiro protótipo nem isso tinha.
Uma capota de lona e cortinas laterais davam (ou tentavam dar) a proteção contra os elementos da natureza. A estamparia da carroceria era simples e tudo isso fez com que o investimento fosse insignificante.
Por estranho que pareça, a apresentação do Jeepster não foi acompanhada de grande alarde. Um produto único como esse teria rendido uma onda de notoriedade fenomenal para a Willys, mas, por razões que se mantiveram obscuras, a fábrica deixou essa oportunidade passar em "brancas nuvens".
Não foram muitas as pessoas que acharam o Jeepster atraente como a Willys estava esperando. Para um carro com pretensões esportivas, a desempenho dele deixava também um pouco a desejar e em janeiro de 1949 um novo motor de quatro cilindros (Hurricane) veio a equipar o Jeepster dando-lhe 11% a mais de potência.
Em 1950, a nova grade, bem como o novo motor de seis cilindros com 75 hps, deu uma melhorada no desempenho.
Mas as vendas do Jeepster, algo desapontadoras desde o lançamento, deram uma vacilada maior em 1949 e se recuperaram apenas parcialmente no ano seguinte. Em 1951 ele apareceria no catalogo de carros do ano, mas na realidade eram apenas veículos que haviam sobrado da produção de 1950. A produção fora suspensa. Apenas 19.132 carros tinham sido produzidos num período pouco menor do que três anos. Em 1967 a Kaiser relançou o Jeepster, com uma carroceria bem modificada e com infinidades de opções.
Veremos isso numa próxima matéria.
Talvez o público ainda não estivesse preparado para um conceito inovador como o do Jeepster. A realidade é que só atualmente eles se tornaram um item bastante desejado pelos colecionadores o que nos leva à dúvida do por que ele não fez sucesso na sua época? Várias razões:
- Havia uma questão de identidade. O Jeepster claramente não era um carro esporte, nem um carro familiar. Isso fez com que ele caísse numa categoria que já não existia mais: a do carro aberto.
- Os dias de carros abertos já haviam passados há muito tempo quando o Jeepster foi apresentado. O motorista americano gostava de capotas abertas, mas as pessoas queriam o conforto das janelas que podiam ser levantadas e que protegessem melhor os ocupantes.
- O público ficou desapontado pela fábrica não ter apresentado uma versão com tração nas quatro rodas.
- E Brooks Stevens notou que o preço era muito alto. Um Jeepster com motor de quatro cilindros custava em torno de US$ 1.000,00 a mais do que um coupe de luxo da Chevrolet. É verdade que o Chevrolet não era conversível, mas na realidade nem o Jeepster o era também.
 
Note a adição de frisos e de uma grade diferente
 
Em 1950 a empresa Alcoa desenvolveu uma variante baseada no Jeepster. A carroceria era feita em alumínio e utilizava apenas a parte dianteira e os paralamas traseiros originais, sendo o resto construído em alumínio especial pela própria Alcoa. Não houve resposta do mercado e, além disso, só cabiam duas pessoas.

Jeepster brasileiro (o Saci)
Talvez a melhor variação, tenha sido a tentativa de se produzir aqui no Brasil um Jeepster com a mecânica da nossa Rural.
No começo dos anos 60 a Willys do Brasil estava produzindo o Aero-Willys e Brooks Stevens fora contratado para reestilizar o carro, resultando no modelo 2600. O carro fez tanto sucesso no salão de Paris de 62, que os dirigentes da Willys do Brasil ficaram entusiasmados e passaram a Stevens a incumbência de redesenhar também o Jeepster, de modo que ele fosse construído por aqui.
O protótipo era uma beleza e o jornalista especializado Robert Ackerson escreveu que: "O entusiasmo por esse esportivo era alto e durante os planos para sua produção, o seu nome foi mudado para Saci, que no folclore sul-americano é uma pequena criatura semelhante a um duende. (Pelo jeito, esse jornalista não fazia a mínima idéia do que era um Saci!)
 
 
 
Mas no sombrio mundo do dinheiro, trabalho e capital, o Saci encontrou seu desafio. Não havia, simplesmente, espaço na fábrica da Willys para a construção do Saci sendo cancelado qualquer plano de construção. Esta decisão pode muito bem ter sido a pior que já tenham tomado, pois no primeiro salão internacional de automóveis realizado em São Paulo, o Saci foi “uma sensação”.
Sendo assim, a tentativa foi abandonada. Numa entrevista dada recentemente, Brooks Stevens disse que adoraria saber se o pequeno protótipo ainda existia.
Numa conversa que tive com um amigo há pouco tempo atrás, comentei sobre esta matéria que pretendia fazer e ele me garantiu que durante algum tempo viu um carro exatamente como o da foto que eu lhe mostrara, só que de outra cor, circulando pelo bairro da Lapa em São Paulo. Mistério. Será que o protótipo está vivo e rodando? Será um segundo carro? Será que alguém fabricou algo parecido no fundo de alguma oficina esquecida? Só o tempo poderá ou não responder a estas perguntas. E você? Sabe de algo?

"JEEP STATION WAGON" E FAMILIA - Parte 2


Como vimos na matéria anterior, a entrada da versão Station Sedan trouxe várias melhorias de ordem técnica e de conforto ao veículo. Agora um motor mais poderoso de 6 cilindros fazia o carro mais veloz e mais forte. Os assentos foram melhorados e colocados em posições mais anatômicas, o que dava mais espaço para as pernas dos passageiros. A melhor notícia para o pessoal que tinha de fazer o seu próprio caminho nas regiões mais remotas, foi a tração nas quatro rodas colocada a disposição do público em Julho de 1949. A "tração nas quatro" já existia antes e vinha sendo usada somente nos veículos especialmente encomendados pelo Exército.
Outra modificação foi o uso de feixes de molas convencionais, em lugar da suspenção Planadyne, nos veículos com tração total. Como tudo que existe tem seu lado negativo, os produtos da Willys não eram exceção. Se dirigir uma perua dessas era uma delícia pela leveza e precisão da direção, fazer curvas fechadas era algo um pouco mais difícil, já que o carro tinha uma tendência a perder um pouco o controle. Assim como o vento de lado ou de través, como dizem os pilotos, fazia com que o carro mudasse de lado numa estrada com ou sem a permissão do motorista, os freios, que nunca foram o ponto forte dos jipes da Segunda Guerra, também não eram competentes na perua. As distâncias de frenagem estavam muito aquém de confortáveis e uma boa dose de pressão no pedal de freio era requerida para fazer o serviço. Por outro lado, ela se mantinha em absoluta linha reta mesmo em freadas bruscas e graças à estranha suspenção de Ross ela dificilmente abaixava a frente durante a freada.
Novidades na grade: menos frisos horizontais
Ao longo da sua trajetória, a Wagon, praticamente permaneceu imutável com relação à sua aparência. Quando a Willys passou para o controle da (não é a cerveja) Kaiser-Frazer Corporation, em 1953, nem a proposta e nem a publicidade do carro mudaram. Ela continuava sendo, mais do que nunca apresentada como o carro ideal para a família e serviços genéricos. As poucas coisas alteradas foram os frisos, as opções de cores, a introdução da opção pela pintura "saia e blusa" (uma cor em cima e outra em baixo) e isso sem contar os incomparáveis pneus com enormes faixas brancas que tentavam dar um ar mais luxuoso a esse belo utilitário.

De 1954 a 1955 as Wagons e Furgões foram os carros-chefe da empresa. Em 1954 uma excelente opção, para ambas as linhas, foi a introdução da versão de seis cilindros do motor Hurricane. Esse motor era padrão nos carros de passageiros da Kaiser desde 1947 e, por ter 115 Hps, dava uma margem de força bastante folgada. Outra mudança, de menor importância mas bem visível, foi a redução dos frisos horizontais da grade, de cinco para apenas três. Se foi por mudança de estilo ou por economia nós nunca saberemos, mas pode apostar que isso fazia muita diferença no visual. Outro opcional para a versão 4x4 foi a introdução, também em 1954, da nossa velha conhecida roda-livre da Warn com acionamento manual que permitia engatar ou desengatar as rodas dianteiras dos semi-eixos. Acho que o funcionamento dela já é bem conhecido por todos e dispensa maiores explicações.
 
Algumas versões especiais foram projetadas e construídas para fins bem específicos, como por exemplo, a versão para a Defesa Civil, que tinha tudo, ou quase tudo, que se necessitasse para os casos mais comuns, como um bote na capota, um guincho mecânico na frente, galões extras de combustível e todo um aparato de ferramentas e utensílios de emergência. Outra curiosidade foi um modelo projetado especialmente para as empresas que fazem o transporte de passageiros dos hotéis para os aeroportos e vice-versa.
Versão alongada para uso em aeroportos, uma "pequena Jamanta"
Esta pequena "jamanta" tinha nada menos do que seis portas e três fileiras de bancos. Já pensou que emoção devia ser tentar fazer uma curva, no transito de uma cidade, com um transatlântico desses?
O ano de 1960 trouxe duas coisas. Uma delas foi meramente cosmética, ou seja, o parabrisa das Wagons passou a ser feito em uma peça só e a outra, em minha opinião, muito mais importante: a Jeep Station Wagon passou a ser totalmente produzida no Brasil com o nome de Rural Willys (ela já era montada há dois anos por aqui com componentes importados e com a frente americana). Com a sua frente completamente redesenhada e inspirada no modernismo da nova capital (Brasilia), tornou-se um carro vastamente usado e abusado por aqui. Caso você, até hoje, não tenha notado a semelhança, olhe de cabeça para baixo a frente de uma Rural e você notará a extrema semelhança dela com a estrutura que faz a frente do Palácio da Alvorada.
Veja a semelhança entre a grade frontal e o design do Palacio da Alvorada
A Rural no Brasil, excetuando-se a frente, era exatamente uma cópia do modelo americano que estava em produção desde 46 e permaneceu assim até os últimos dias de sua produção. A única modificação de maior importância ocorrida durante a sua fabricação por aqui foi a mudança do seu motor, o velho e confiável BF-161 de seis cilindros, pelo modelo OHC de quatro cilindros em 1976. Dois anos depois ela seria tirada de linha.

Furgão 
No começo de 1947, uma nova versão visando o mercado profissional foi oferecida. Era o Sedan Delivery ou, como nós o chamamos por aqui, um furgão.
"Sedan Delivery" tão simples que só tinha o banco do motorista
 
Na nova versão, a modificação foi apenas na grade.Continuava simples.
Ele usava a mesma carroceria e chassis da Wagon, só que não tinha janelas, a tampa traseira fora substituída por duas portas que se abriam para os lados e tinha apenas o banco do motorista. Se a Wagon era considerada uma versão simples, o furgão conseguiu ser mais simples ainda já que não tinha sequer os painéis de revestimento interno.

A nova cara
O ano de 1950 trouxe um novo estilo de grade para toda a linha de veículos. Ela estava agora angulada e com cinco frisos cromados, em posição horizontal, dividindo por igual as nove colunas verticais; a primeira mudança de linha desde que a primeira Station Wagon foi apresentada em 1946. 
Protótipo de 1946 ainda com  a grade semelhante ao Jeep militar
Versão luxo da Wagon, com nova pintura e assentos de vinil (1952)
Nova grade e parabrisa numa única peça
Os paralamas também estavam um pouco mais largos e com uma configuração meio pontiaguda na parte dianteira. Algo que hoje, pelos padrões de segurança, seria um perigo em potencial para os pedestres, mas naquela época ninguém pensava muito nesses termos. Havia ainda um pequeno enfeite, também cromado, no topo do capô. Essas mudanças eram na realidade muito pequenas, mas acrescentaram um toque atraente ao veículo, para a época. A Station Sedan que nunca foi uma campeã de vendas foi eliminada nesse ano. No meio do ano a Willys tirou de linha o antigo motor com comando de válvulas lateral e colocou a disposição do público o novo modelo de quatro cilindros com o comando de válvulas em cima, ou como passou a ser conhecido, o motor Hurricane.
Isso veio como uma dose de vitaminas tanto para o desempenho dos carros como também para as vendas, que aumentaram sensivelmente naquele ano. Um fato bastante interessante foi o de que a linha de jipes só recebeu esse motor em 53 na versão que conhecemos como cara de cavalo.

Pick-up
A imagem que o jeep sempre projetou de "pau para toda obra" e de robustez fez com que houvesse a expectativa, por parte do público em geral, de que a Willys comercializasse um caminhão leve logo que a guerra terminasse e foi exatamente isso que aconteceu em 1946. Caminhões leves não eram algo estranho para a Willys que tinha uma longa história de participação no mercado de veículos comerciais. Em 1910 ela tinha dois modelos de caminhões de entrega montados sobre o chassi do carro Overland de passageiros. Em 1912, John North Willys assumiu o controle da Gramm Motor Truck Company da cidade de Lima, Ohio e da Garford Automobile Company de Elyria também de Ohio, produtoras de caminhões de uma tonelada e acima disso. A história da trajetória da fábrica e de John North Willys eu conto numa outra vez. Voltando ao que interessa, a pick-up Willys foi o primeiro veículo comercial especialmente para carga a ser lançado com a frente das Wagons em 1946.
Era construído na plataforma de 104 polegadas entre eixos da Wagon e tinha uma capacidade de carga de 500 quilos. Usava a mesma configuração de frente e cabine das Wagons e uma caçamba com os paralamas externos e, assim como a Wagon, a pick-up usava o mesmo motor que equipou toda a linha até o surgimento do Hurricane.
Em 1947 uma nova versão mais robusta e mais longa foi introduzida e a capacidade de carga foi aumentada para uma tonelada. Ela era oferecida nas formas de pick-up, chassis com cabine ou apenas chassis.
Na próxima matéria veremos toda a trajetória da pick-up, lá e aqui, e como surgiu o primeiro esportivo da linha Willys, o Jeepster, e sua raríssima derivação brasileira, o Saci. Até lá e mantenham os jipes rodando.

JEEP STATION WAGON" E FAMILIA - Parte1


Desta vez, o veículo que vou mostrar é a primeira modificação de grandes proporções que o conceito "jeep" teve de sofrer para se firmar ainda mais no concorrido mercado civil do pós guerra já que a Willys não tinha muita tradição no mercado de automóveis e sim no de caminhões e utilitários. Como o próprio nome já diz, trata-se da perua jeep ou, como ela ficou conhecida aqui no Brasil, a Rural Willys.
A Willys durante os estágios finais da guerra começou uma campanha publicitária de grandes proporções anunciando um veículo civil que teria incorporado todas as características do famoso jeep militar. Essa máquina era chamada nos anúncios de "Victory Car", ou seja, Carro da Vitória e teria toda a estrutura e a mecânica do jeep com uma carroceria mais ou menos convencional por cima de tudo. Problemas de ordem administrativa, de produção e de interesses particulares internos acabaram fazendo com que esse carro nunca saísse do papel.
Talvez o maior problema que a Willys teria de enfrentar para colocar o seu projeto em andamento, era o de que todos os fabricantes de carrocerias estavam entupidos com inúmeros contratos de fabricação e não teriam condições de produzir as carrocerias necessárias ao projeto.
O projetista do Victory Car, Brooks Stevens, partiu então para uma solução que "caiu como uma luva" para a situação que se apresentava. Êle idealizou um novo conceito em desenho automotivo: a perua feita totalmente em chapas de aço.
Vale ressaltar aqui um fato bastante interessante que talvez a maioria das pessoas não saiba: não existiam peruas de passageiros, em linha de produção feitas em aço, antes da guerra. O que existiu durante a guerra, foram alterações feitas em madeira para alongar carros comuns com o propósito de conseguir uma capacidade de carga maior e um aumento no numero de passageiros transportados.
Sedan Mercury transformado numa Station Wagon com o kit da empresa Monart
Os Estados Unidos estavam em pleno esforço de guerra e a idéia da carona solidária para poupar combustíveis e pneus era um dos fatores que fizeram surgir esse tipo de modificação quase artesanal que era vendido em kits que o comprador tentava instalar ou se preferisse (o que era mais normal), a própria fabrica instalava para ele. Mas isso é um assunto para uma outra vez.
Voltando ao que interessa, no novo conceito, um design simples e plano, que facilitava tanto a construção de matrizes que, como se dizia na época, até fabricantes de geladeiras poderiam produzir os estampos, a perua Willys acabou se tornando um dos veículos construídos que mais influenciaram as tendências de mercado.
Montada na mesma plataforma de 104 polegadas do Americar de antes da guerra e com generosas modificações de chassis ela absolutamente tinha as pretensões de leveza e suavidade de linhas que o Victory Car propunha.
Era, ao contrário disso, prática e robusta com uma silhueta alta e angular. Como eu costumo dizer: "ela tem a aerodinâmica de uma caixa de sapatos", sem querer ofender os donos de Rurais, pois eu também sou proprietário de uma dessas máquinas e sei o quanto ela briga para vencer a resistência do ar numa estrada!
A sua concepção era bem simples, com grade plana e paralamas que eram praticamente cópias dos modelos usados pelos Jeeps militares. Sua aparência era bastante austera e apenas uma opção de cor era oferecida: vinho escuro nos paralamas, capô e capota. As laterais eram em creme com os painéis (que ajudavam a dar rigidez na estrutura do conjunto) em marrom claro para imitar madeira que era um padrão para as peruas da época.
A perua era terrivelmente fraca em termos de potência de motor. Pesava em torno de 300 Kg a mais que o Americar e sendo ela impulsionada pelo mesmo motor de 63 hp do sedan de antes da guerra, a performance era sofrível. Um "Overdrive" (quarta marcha) era oferecido como opcional, mas logo se tornou padrão pois o carro necessitava da flexibilidade de quatro marchas.
Em termos práticos ela tinha muitas coisas boas:
-Um sistema de suspensão independente na dianteira, desenhada pelo chefe de engenharia Barney Ross, lembrava muito um sistema chamado "Planar" desenvolvido pelo próprio Ross para a Studebaker no meio dos anos trinta. Utilizava sete lâminas transversais em lugar das molas convencionais. A Willys a chamou de "Planadyne".
Apesar dos modestos 4,78 mts ela tinha capacidade para sete passageiros.
Com os bancos traseiros removidos tinha 96 pés cúbicos de espaço para carga.
Sua altura interna era de 1,27 mts permitindo o transporte de objetos relativamente altos.
A construção totalmente em aço eliminava os persistentes problemas de manutenção que eram a dor de cabeça para os donos de outras peruas com carroceria de madeira.
O preço era várias centenas de dólares inferiores ao de qualquer outra perua até a época de sua introdução no mercado.
O mais importante de tudo eram os seguintes fatores: simplicidade, confiabilidade, economia e robustez.
Atenção para um detalhe muito importante que pode chocar alguns: quando foi lançada em 1946, só existia a versão 4x2. Só em Julho de 1949 é que a versão 4x4 passou a ser oferecida.
Era apresentada unicamente na versão de duas portas e com um assoalho totalmente plano para facilitar a carga e descarga.
Foi um carro que vendeu relativamente bem: 6.534 unidades na segunda metade de 1946 e 27.515 em 1947. Pode-se afirmar que a Willys venderia todas as que eles tivessem capacidade de fabricar, mas matérias primas em geral e principalmente as chapas de aço estavam em falta no mercado e isso tendia a atrapalhar os planos dos fabricantes de veículos.
Nessas horas sempre aparece um "espertinho" que quer ficar conhecido às custas dos outros (isso é comum até hoje em dia e principalmente por aqui) e solta um boato de que as peruas e os Jeeps civis eram feitos com peças excedentes e também com partes usadas, trazidas da Europa, dos Jeeps militares que eram desmontados. Brooks Stevens, enquanto afirmava que o visual de jeep havia sido conservado por uma questão de reconhecimento imediato e também por economia na fabricação de matrizes, respondeu de modo bem áspero - "Qualquer um de posse de suas faculdades mentais sabe que isso não é verdade. A bitola era diferente, a distancia entre eixos era diferente, não existia a tração nas quatro rodas, tudo enfim era diferente".
Uma versão de luxo foi incluída em 1948 e era conhecida como Station Sedan e tinha um acabamento bem melhor do que a versão Wagon tanto por dentro como por fora, apesar de ser usada a mesma carroceria.
Outras cores foram acrescentadas e, em algumas delas, em lugar dos painéis pintados imitando madeira nas laterais, uma pintura em padrão xadrez que lembra uma cesta de vime foi colocada em seu lugar. Um repórter inglês que estava na apresentação do carro sugeriu que "aquilo parecia com um carro de defunto do interior". Entretanto, muitos observadores acharam esse enfeite atraente.
Apresentava algumas sensíveis melhorias como a adição, como opcional, de um novo motor de 6 cilindros com válvulas laterais e uma capacidade de 148,5 polegadas cúbicas e 72 hps. Isso dava uma vantagem de 11% sobre a versão de 4 cilindros. O desempenho total sofreu uma melhora bastante sensível.
Na próxima matéria veremos os modelos subseqüentes a algumas variantes bastante interessantes que surgiram inclusive a versão pick-up. Até lá e como sempre digo: Mantenham os jipes rodando.