quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Kübelwagen - O "jeep” alemão - parte 2


Como vimos na matéria anterior, o Kübel modelo 62 passou por vários testes que mostraram suas deficiências e qualidades. Depois das modificações feitas, surge o modelo 82, que se tornou conhecido no mundo todo como o "jeep" alemão.
Além da carroceria ligeiramente diferente, a coisa que mais chama a atenção no mod. 82, é a maior altura que ele tem do solo. Isso foi um dos requisitos exigidos após os testes do modelo anterior. O professor Ferdinand Porsche conseguiu essa "levantada" com a adição de uma caixa de redução no eixo traseiro(com a relação de 15:21) e uma modificação na suspensão dianteira.
Outra alteração para melhorar a capacidade fora-de-estrada do novo veículo, foi a troca da relação de engrenagens da transmissão de 5:31 para 7:31 o que reduzia a velocidade, mas aumentava a força.
Os dois primeiros veículos foram completados com carrocerias da empresa Ambi-Budd de Berlim em Dezembro de 1939. O VW Kübelwagen a partir de então foi classificado e recebeu a denominação oficial de "le Pkw-Kfz1 Typ 82" (leichter Personenkraftwagen  Kraftfahzeug 1 typ 82) ou traduzindo mais ou menos seria algo como "Veículo motorizado leve de dois assentos dianteiros e um traseiro para transporte de passageiros modelo 82" (o numero "1" indicava o tipo de plataforma usada, o numero de bancos, tipo de capota e outros ítens).
O Kübel mod.86 foi desenvolvido em paralelo ao mod. 82 e era exatamente o mesmo veículo. A única diferença é que o mod.86 tinha tração nas quatro rodas (já pensou um carrinho destes numa trilha?). Em janeiro de 1940 um teste comparativo dos dois modelos foi efetuado no campo de provas de Eisenach.
Sob a responsabilidade dos engenheiros, Major Henze e Schüte, outros testes foram realizados, de 11 a 24 de Fevereiro, numa viagem de ida e volta de Kummersdorf até St. Johann, no Tirol.
Dois mod.86 (4x4) seguiram numa coluna juntamente com caminhões Borgward, Horch, Henschel, M.A.N., Mercedes, Magirus e Opel que estavam sendo testados. Os dois mod.86 chamaram a atenção de todos os motoristas presentes na coluna, tanto os das fábricas como os do Exército, pela sua velocidade, maneabilidade e excelente aderência ao solo nas estradas congeladas da região, tanto as pavimentadas como as das regiões rurais.
Depois de três dias de viagem, em St. Johann, cada um dos veículos atravessou, por sua vez, o Passo de Thurn. Os dois 86s tiveram que se deslocar com a coluna de caminhões e não puderam ser testados individualmente.
Na próxima etapa, cada veículo deveria passar por dois testes: acionar a partida a cada 10 segundos e uma pausa de 20 segundos para recuperação da bateria. As partidas eram dadas numa temperatura ambiente de -14° Celsius. O motor do mod.86/2 girou estavelmente depois de 8 segundos do primeiro teste. O mod.86/1, que anteriormente havia sido acionado por um motorista do Exército, não conseguiu dar a partida no motor. O teste seguinte foi atravessar um campo forrado por uma manta de neve de 1,20 mts de profundidade. Todos os caminhões da coluna participaram desse teste e invariavelmente acabaram afundando na neve depois de percorridos 50 metros. Os dois mod.86 também afundaram, só que depois de um trajeto de 100 metros.
Os testes foram repetidos no dia seguinte, só que com correntes e outros acessórios. Um dos mod.86, usando correntes e flutuadores de neve presos às rodas, andou magnificamente sobre o mesmo terreno do dia anterior sem nenhuma dificuldade, para espanto de todos os motoristas e pessoal técnico presentes aos testes.
Flutuador instalado num Schwimmwagen
Para quem nunca viu algo do gênero, vale uma explicação sobre o que é um flutuador de neve: é um dispositivo que mais parece um tambor, que é preso às rodas do veículo de modo que superfície de contato do pneu seja aumentada e o peso total seja distribuído numa área maior, fazendo com que a possibilidade do carro afundar seja diminuída consideravelmente. Para melhorar a tração, travessas são soldadas a esse "tambor" e estas agem como remos, tanto para a neve como para o barro mais mole. Apesar da ajuda que esse dispositivo proporciona, existe um problema criado pelo aumento da superfície de contato.

Todos os terminais das barras de direção e suspensão sofrem muito com o aumento das pressões e se desgastam muito mais rapidamente.
Ao todo foram percorridos 148 km nesse teste com um consumo de 2,257 litros de combustível por veículo e mais 3 litros de óleo.
Em outros testes levados a cabo entre 25 de Março e 15 de Abril no Centro de Testes de Wünsdorf os resultados obtidos em St. Joahnn puderam ser confirmados.
Nesse centro, desta vez, apenas os Kübel foram testados, sendo onze exemplares do mod.82 e dois do mod.86.
Pequenas costelas que deveriam ser vencidas em Wünsdorf
 
Nesse Centro de Testes, os veículos foram realmente usados e abusados ao extremo, afinal, era necessário saber até onde ia a resistência do pequeno carrinho. Com exceção de alguns pequenos acidentes, a sessão de massacre dos carros transcorreu sem maiores problemas.
 
Por mais que se façam testes nos campos especializados e por melhores que sejam os pilotos de prova, o maior de todos os testes será no campo de batalha, nas mãos do soldado inexperiente que vai dirigir o veículo de qualquer jeito e em quaisquer condições de terreno, com ou sem manutenção adequada (isto é, quando ela existe). Nessas horas é que se conhece um projeto bom e bem pensado.
 
 
 
 
 
 
 
O pequeno Kübel mod.82 agüentava tudo e mais um pouco devido à sua simplicidade e engenhosidade. Êle era amado por todo e qualquer soldado independente da patente.
Kübelwagen "Otto" de Hans Joachim Marseille (Ás do Norte da Africa)
"OTTO" em italiano significa OITO,...
...o número de aviões que Marseille derrubou num único dia.
A sua maneabilidade, leveza, facilidade de manutenção fez dele o veículo mais versátil que o Exército alemão já tivera.
Facilmente, dois homens podiam levantá-lo por uma das laterais e colocar um macaco já aberto por baixo da carroceria a fim de trocar um pneu furado. 
 
Manutenção facil da suspenção
A retirada do motor era simplificada pela excelente engeharia de projeto
A troca de uma suspensão quebrada era executada em poucos minutos, já que a placa protetora frontal era facilmente removida e a suspensão ficava totalmente exposta, facilitando a sua remoção sem maiores problemas.
Esse tipo de carinho pelo carro era despertado também nos inimigos que quando podiam, tratavam de se apoderar de algum para seu uso. Exatamente como os alemães faziam com relação ao jeep americano.
Paraquedista americanos em Carentan com um Kübel "libertado"
 
 
Soldados do Africa Korps com um Jeep capturado do SAS
 
Existe uma historia sobre um mod.82 que "prestou relevantes serviços" à 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação (1ª ELO) da FAB na Itália. O piloto de reconhecimento Joel Clapp conseguiu, através de um oficial americano, um mod.82 que foi bastante utilizado por ele e por todo o pessoal do esquadrão. O valente carrinho recebeu o apelido de "Caroço". Mal sabiam aqueles homens, que num futuro próximo, carros com aquela mecânica seriam produzidos na sua terra natal. Várias versões foram produzidas em cima da mesma plataforma e com pequenas modificações na carroceria.
Kübel Caroço da 1ª ELO
No total, até 10 de Abril de 1945, saíram da fábrica aproximadamente as seguintes quantidades:

- mod.82 Kübel (4 assentos) - 37.320
- mod.82 Carro de rádio - 3.326
- mod.82 Reconhecimento - 7.545
- mod.82 Reparos de campo - 2.324
 
 
Numa próxima matéria, você verá que não foram só os projetistas americanos que inventaram maluquices com o Jeep, os alemães não ficaram nem um pouco atrás!
Até a próxima e mantenham todos eles rodando.



FICHA TÉCNICA PARCIAL

Nomenclatura:
KDF Kübelsitzwagen Typ 82
Comp. total:
3,74 mts
Largura total:
1,60 mts
Dist. entre eixos:
2,40 mts
Bitola:
1,356
Peso liquido:
668 Kg
Sistema elétrico:
6 volts
Combustível:
Gasolina
Ângulo de entrada:
60º
Ângulo de saída:
38º
Carga:
400 Kg
Pneus:
5.25 x 16
Motor:
VW de 4 cilindros contrapostos
Refrigeração
Ar
Potência:
1.131 cc, 25 bhp @ 3.000 rpm
Veloc. máxima:
80 km/h
Transmissão:
4 marchas manual
Diferencial:
Autoblocante

Kübelwagen - O "jeep” alemão - Parte 1


Na realidade ele não tinha e nem nunca teve nada a ver com o jeep americano, apesar de algumas revistas americanas, da época, dizerem que ele era uma cópia mal feita do nosso velho amigo, o jeep militar da Segunda Guerra. Lógico que aqueles que disseram isso, nem sequer se preocuparam em olhar uma foto do veículo, pois se assim tivessem feito, veriam que a única semelhança entre os dois é que ambos tinham quatro pneus. Tudo no Kübel (a pronuncia é mais ou menos "kíbêl") é diferente, como veremos a seguir.

Mas antes um pouquinho de história e de onde e porque surgiu essa idéia.

Em 1934 Adolf Hitler concebeu a idéia do Volkswagen ("Carro do Povo" ou "popular" como queiram) logo depois que subiu ao poder. No seu discurso de abertura do Auto Show de Berlin ele declarou que considerava o desenho e construção do carro do povo como uma tarefa prioritária para a indústria automobilística alemã. Mais tarde, ele acrescentou que esse veículo deveria ter espaço para no mínimo quatro pessoas, consumir em torno de 7 litros de combustível para cada 100 km e não deveria custar mais do que 1.000 Reichmarks.
Essa função foi passada para Werlin, seu colega de partido. Este, por sua vez, achou que o Professor Ferdinand Porsche seria a pessoa indicada para desenvolver esse tipo de veículo, visto que ele já havia desenvolvido outro carro para competições a pedido do próprio Hitler.
Um contrato foi firmado entre Porsche e a RDA (Associação da Indústria Automobilística do Reich Alemão) em 22 de Junho de 1934 que pretendia que os três primeiros protótipos ficassem prontos dalí a dez meses ( em torno de abril de 35).
V3 Käffer

Ferry Porsche, filho de Ferdinand, pilotando este modelo V3



Em 1935, Hitler prometeu publicamente o "carro do povo". Entretanto os dois primeiros protótipos, V1 e V2 (não são as bombas), só ficaram prontos em Fevereiro de 1936, em torno de 10 meses após a data que estava estipulada no contrato. Três outros protótipos (série V3) saíram em Outubro do mesmo ano.
 
 
 
Estes modelos V3 Käfer (besouro) já possuíam todas as revolucionárias (para a época) características que tornaram os VW famosos em todo o mundo: linhas simples, suspensão por barras de torsão (patenteadas em 1931) e um motor de 4 cilindros contrapostos de quatro tempos.
Os testes foram efetuados com grande sucesso, mas a RDA não aceitou os resultados (que pessoal chato!) e estipulou que novos protótipos deveriam se construídos e novos testes feitos.
Painel simples e funcional do W30
 
Um protótipo W30 com algumas carrocerias ao fundo.
 
O protótipo n.26 do W30 sendo testado no tunel de vento
A nova série W30 foi construída em 1937 e era constituída de 30 veículos e foi testada com grande êxito pelo "VW Motor Pool" (120 homens das SS sob o comando do Capitão Albert Liese), com a fantástica soma de mais ou menos 2.500.000 km rodados nas mais variadas condições que se pode imaginar.
Devido aos desentendimentos havidos entre a RDA e Porsche (que tinha uma visão muito americanizada de produção em massa), Hitler decidiu que a produção do Volkswagen deveria ser realizada por uma empresa estatal e transferiu todo o controle do projeto para a organização partidária KdF.
Inauguração da fabrica em Wolksburg
Inauguração da fabrica em Wolksburg
A pedra fundamental da nova fabrica da VW foi lançada em 26 de Maio de 1938 perto da cidade de Fallersleben (um distrito da cidade de Wolfsburg) na planície da Baixa Saxônia. O objetivo era entregar os primeiros 500 veículos no fim de 1939. O cidadão comum poderia adquirir o carro pagando 5 (cinco) Reichmarks por mês (que moleza).

Entretanto com o começo da guerra, as entregas para particulares foram suspensas e todas as linhas de produção foram convertidas para produção de material militar.
A partir de 1940, toda a linha de montagem foi direcionada para a construção do Kübelwagen e os poucos veículos civis existentes (210) foram colocados à disposição do alto escalão do III Reich.
 
 
Nasce o Kübel

A primeira menção de uma versão militar do VW surgiu em 11 de Abril de 1934 durante uma discussão entre representantes da Chancelaria de Reich e o pessoal de Porsche a respeito do desenvolvimento do VW civil. Os representantes do governo queriam um chassi que pudesse ser adaptado para receber três homens, uma metralhadora e munição. No começo, entretanto, essa idéia nem sequer foi levada em conta.
 
 
O Capitão SS Albert Liese relembrou essa idéia durante os testes do VW civil e mandou um memorando ao chefe do Departamento de Ordenança do Exército (HWA), General de Infantaria Liese (possivelmente parente do capitão) que se mostrou interessado e encarregou o Coronel Fichtner de determinar características de uma versão militar do Volkswagen baseadas nos desenhos fornecidos pelo Capitão SS Liese.
Em 26 de Janeiro de 1938, as especificações foram apresentadas a Porsche.
O veículo deveria comportar quatro soldados equipados. Estava claro para os engenheiros de Porsche que para se obter a capacidade de fora-de-estrada desejada, o peso do veículo carregado não poderia exceder os 950 kgs (150 kgs a menos que a versão civil).
Como o chassi pesava 400 kgs e a carga planejada outros 400 kgs (100 kgs por homem mais equipamento), sobravam apenas 150 kgs para a carroceria. Para conseguir essa façanha, novos métodos de produção deveriam ser desenvolvidos, pois até aquela data, uma carroceria daquele tamanho pesava em torno de 350 kgs.
Esse problema foi resolvido por Porsche em cooperação com a firma Trutz, da cidade de Gotha, que tinha experiência anterior em carrocerias leves para veículos militares. O HWA também mostrou interesse adicional por uma versão armada de metralhadora e com apenas dois homens.
Em 01 de Fevereiro de 1938, o HWA colocou uma ordem para a construção de um protótipo. Ele deveria estar pronto para uma demonstração para o HWA em 03 de Novembro de 1938, dando assim, 9 meses para desenvolvimento e construção. Desta forma, o Kübelwagen nasceu.
O nome é uma abreviação da palavra "Kübelsitzwagen", ou "carro com assentos de cuba" que se referia aos assentos em formato arredondado e mais anatômicos e que eram padrão nos carros militares.

Skoda Superb 3000 Kübelsitzwagen KFZ 15 typ 952

Mercedes Benz Typ 170 Kübelsitzwagen

Mercedes Benz 170 VLW 139 Kübelwagen
Skoda Kübelwagen 1101 Typ 938
Horch Kübelwagen 830 R
Alguns livros dizem que o nome dele é "carro-balde", pois em inglês êle foi chamado de "bucket-seat-car" que seria "carro com assentos de balde", mas alguém no meio do caminho não entendeu direito a tradução e acabou colocando carro-balde e assim foi impresso. Tanto que essa definição era comum para a maioria dos veículos que tinham esse tipo de assento, sendo que só depois de muito tempo é que essa denominação passou a ser aplicada mais ao pequeno VW "Kübel" do que a outros veículos. Essa história do nome até parece àquelas várias versões sobre a origem do nome Jeep.
Com o protótipo apresentado os testes foram iniciados naquele mesmo mês.
 
 
Apesar dele não ter a tração nas quatro rodas, que era considerado necessário para um veículo fora-de-estrada, compensava essa deficiência com o peso bastante reduzido. O motor refrigerado a ar era particularmente vantajoso e se provou por si só em condições extremas, seja no calor do deserto ou na lama e frio da Rússia, onde o Kübel era freqüentemente o único veículo capaz de funcionar. Esse primeiro veículo tinha muito em comum com o VW civil. Sua carroceria era bem arredondada e os paralamas lembravam muito o do modelo civil.
A KdF também apresentou um protótipo desenvolvido exclusivamente nas especificações do Exército, mas esse veículo falhou desastrosamente, não conseguindo sequer sobreviver a 10.000 kms de testes de estrada. Tinha uma forma bastante comum e lembrava muito um veículo normal de uso civil.
A primeira versão do Kübel, que era conhecida como Porsche Tipo 62, foi apresentada ao público na Feira do Automóvel de Viena em 1939. Êle tinha praticamente a aparência do VW civil, só que sem capota e portas.
O estepe era colocado do lado de fora do capô e os faróis não eram integrados aos paralamas e sim colocados sobre estes, como no primeiro modelo de VW civil. Apesar do desempenho excelente nos testes, os militares não estavam muito satisfeitos com a aparência externa do carro, que mais parecia um veículo esportivo do que um veículo militar. Baseado nessas observações, o Professor Porsche estudou uma nova carroceria mais adequada ao "gosto" militar.
Outro modelo do Tipo 62 foi construído e já incorporava, em parte, a aparência que o Kübel teria em definitivo. Linhas mais retas e carroceria feita com chapas frisadas.
Dois tipos de carrocerias foram apresentados:
- Um com as portas normais.
- Outro com as portas feitas de lona (como no primeiro protótipo) que eram enroladas para dentro do carro.
Só que isso se mostrou muito inconveniente e foi abandonado.
Extensos testes se deram nos campos de provas de Münsingen.
Apesar do sucesso nos testes, o HWA ordenou uma melhora no desempenho fora-de-estrada do carro. O Professor Porsche conseguiu isso, aumentando a distância do solo e mudando a relação de engrenagens e instalando uma transmissão auxiliar no eixo traseiro (igual ao sistema que temos na suspensão traseira da Kombi).
Sua carroceria também sofreu várias modificações que o deixaram com sua aparência definitiva.
Surgiu aí o modelo 82. Versão esta que se tornou a mais conhecida de todas e que teve sua grande estréia nas areias do Norte da África.
Na próxima matéria, mais um pouco da história deste fantástico veículo militar que cativou o soldado alemão do mesmo jeito que o jeep fez com o soldado americano.