A carabina Spencer foi projetada pelo inventor norte-americano Christopher Spencer, em 1860. Para a época, era decididamente uma arma revolucionária, pois se tratava de uma carabina de repetição, similar em uso mas não em características ao famoso rifle Henry, também produzido a partir de 1860, arma essa que originou, posteriormente, as carabinas e rifles da Winchester. A Spencer era alimentada por um carregador tubular contido na coronha da arma, com capacidade para sete cartuchos calibre .56-56, cartucho com aro no sistema fogo-circular (rim-fire). Essa nomenclatura não segue os padrões de hoje: o primeiro valor se refere ao diâmetro do cartucho em sua base e o segundo, o diâmetro na boca do cartucho. O diâmetro do projétil era de .52″, mas era denominada aqui como calibre 12,7mm. O cartucho era carregado com 45 grains (2.9 gramas) de pólvora negra. A título de comparação, o posterior cartucho .44-40 Winchester, utilizado nos rifles e carabinas modelo 1873, e posteriormente também no modelos 1892, era carregado com 40 grains.
Acima, a carabina norte-americana Spencer, de repetição, 7 tiros, extensivamente usada pela cavalaria do exército norte americano na Guerra Civil, e posteriormente, adotada pela Cavalaria do Exército Brasileiro, participando do conflito contra o Paraguai.
O funcionamento da arma era simples: retirava-se o varão de metal por trás da soleira, alimentava-se o túnel contido da coronha com os cartuchos e em seguida, colocava-se novamente o varão, o qual continha uma mola espiral em seu interior, que serviria para impulsionar os cartuchos para serem alimentados na câmara. O movimento de baixar e subir a alavanca inferior, que também servia de guarda-mato, extraía um cartucho disparado da câmara e alimentava um novo cartucho. Esse movimento não armava o cão, procedimento que tinha que ser feito manualmente a cada disparo.
Havia uma peça interessante, transportada pelos soldados, denominada de Blakeslee Cartridge Box. uma espécie de caixa hexagonal contendo, dependendo do modelo, de 10 a 13 tubos, com sete cartuchos no seu interior, que podiam ser esvaziados um a um no interior do tubo da coronha, o que aumentava consideravelmente a cadência de tiro.
Uma antiga ilustração da carabina Spencer: 1) carabina modelo 1865 – 2a) tubo do carregador com mola e um cartucho – 2b) Blakeslee Box com 10 tubos de 7 cartuchos cada – 3) vista do mecanismo interno.
Alguns outros cartuchos foram utilizados na Spencer, como o .56-52, .56-50 e os .56-46, mais raramente utilizados. Apesar de serem quase tão potentes quanto ao .58 utilizado nos fuzís ante-carga da época, posteriormente se tornaram fracos quando comparados aos novos cartuchos adotados militarmente pelos Estados Unidos, como 0 .50-70 e 0 .45-70. Um atirador treinado conseguia uma cadência de tiro de quase 20 disparos por minuto, uma marca excepcional quando comparada com a média de 2 a 3 disparos por minuto dos fuzís ante-carga. As Spencer foram as primeiras armas longas com um sistema de repetição a serem adotadas pelo Exército Americano, adquiridas em número de 94.000 para suprir as unidades de Cavalaria. A infantaria, por sua vez, ainda dava preferência ao preciso e potente Springfield 1861, um mosquete do tipo Minié, o mais largamente empregado durante a Guerra Civil Americana, fazendo uma dobradinha de muito sucesso com o Pattern 53, o Enfield 1853 tal qual usado aqui no Brasil, na Guerra do Paraguai.
No Brasil, a Spencer teve o potencial de ser um equipamento revolucionário na história da cavalaria brasileira, mas este potencial foi desperdiçado. Diz-nos Adler Homero que durante a Guerra do Paraguai, por volta de 1866, quando foram adquiridas a pedido do então Marques de Caxias, tiveram um problema inicial com a munição. Esta não muito confiável e este fato retardou a sua distribuição para a tropa. Entretanto, a insistência dos oficiais da Comissão de Melhoramentos do Material do Exército fez com que novas tentativas fossem feitas em 1867 e os problemas iniciais superados, sendo a arma distribuída em grande número aos esquadrões de atiradores dos Regimentos de Cavalaria.
Desenho esquemático da carabina Spencer: na fig.1, a arma se encontra carregada com 6 cartuchos no carregador tubular e um já está alimentado na câmara, com cão armado, pronta para o disparo. Na fig.2, alavanca de manejo se encontra aberta, mostrando um cartucho já posicionado sobre o alimentador, cartucho que será impulsionado para a câmara assim que se fechar a alavanca.
Por ser uma arma de retrocarga, era possível ao atirador recarregá-la enquanto estava deitado (todas as armas de carregar pela boca exigiam uma postura ereta, tornando o atirador um bom alvo para o inimigo). Ao mesmo tempo, o fato de ser uma arma de repetição, dava-lhe uma cadência de fogo prática de 3 a 5 vezes maior que as armas de carregar pela boca. Pela primeira vez a cavalaria tinha condições de, em um combate de tiroteio, derrotar um número igual, ou até maior de soldados de infantaria armados com mosquetes ou carabinas de percussão, de um só tiro. O pessoal da cavalaria podia, com bastante prática adquirida com o tempo, atirar repetidamente com a Spencer, em plena cavalgada.
Relatos históricos contam que “no combate de São Solano, a 6 de setembro de 1868, um grupo de 57 cavalarianos armados com aquelas carabinas, resistiram intrepidamente a uma força de quase 500 homens da cavalaria inimiga, em cujas fileiras faziam destroços, e sustentaram o mesmo ataque até a chegada de reforços“. E também “…no combate de Isla-Tay em 3 de outubro de 1867, e no de Tatayba, em 21 do mesmo mês, que foi um bem combinado ataque para destruir a cavalaria inimiga, as nossas clavinas à Spencer obtiveram maravilhosos resultados com seus rápidos e mortíferos tiros, e derrotaram completamente o inimigo, que nunca conseguiu fazer uma só carga, como mesmo afirmaram alguns dos seus oficiais prisioneiros“.
Carabina do tipo Spencer, cópia produzida pela Falisse & Trapmann, de Liège, Bélgica, adquirida pelo Império Brasileiro após a Guerra do Paraguai
Posteriormente à guerra, em 1872, o Exército já tinha adotado uma nova arma de repetição para a Cavalaria, os rifles de repetição Winchester modelo 1866, mas os oficiais continuaram por um longo período a preferir a Spencer, por causa da fama que ela adquiriu na Guerra do Paraguai. O sucesso dela foi tanto que, em 1873, outra encomenda foi feita, desta vez à Bélgica, junto a Union Armurière Belge, um consórcio de fabricantes daquele país, dentre eles a Falisse & Trapmann, de Liège.
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