sábado, 20 de maio de 2017

TECHNO CAR

Techno Car – “Tecnologia em Carrocerias” é marca de fantasia Guevel Veículos Especiais Ltda., transformadora de veículos instalada em 1996 em Itaquaquecetuba (SP). Embora tenha como atividade principal a construção de cabines-duplas e a adaptação de furgões e vans para usos especiais (ambulâncias, transporte de detentos, carros funerários, unidades móveis e viaturas policiais), desde cedo a empresa participa de projetos de militarização de veículos em colaboração com os órgãos de engenharia das Forças Armadas.
No início do século corrente realizou três projetos sobre Land Rover nacionais: além de proceder à militarização de uma série de jipes Defender 110 para o Corpo de Fuzileiros Navais (capota de lona mais alta, portas de lona, estepe sobre o capô, galão para combustível, pás, snorkel, guincho, engates, grade protetora dos faróis, elementos especiais de iluminação e sistema de telecomunicações), submeteu ao Exército mais dois veículos. O primeiro, apelidado Saicã, também sobre Defender 110, foi preparado para operar em Pelotões de Cavalaria Mecanizada e Exploradores; além dos equipamentos usuais, recebeu estrutura tubular sob a capota de lona e para-brisa dividido em dois, permitindo rebatimento independente. O segundo veículo, que partiu do Defender 130 cabine-dupla, foi adaptado para o transporte misto de carga e soldados; também tinha capota e portas de lona e saias laterais sob a caçamba reduzidas em altura.
A inesperada interrupção da produção nacional do Land Rover, em 2005, inviabilizou os dois projetos. Posteriormente foi preparada a versão militar do caminhão Volkswagen 13.180, 4×4 com suspensão elevada, rodado traseiro simples, cabine aberta com capota de lona, para-brisas planos rebatíveis, grade suplementas, carroceria metálica, guincho e demais equipamentos de praxe.
Além do Exército Brasileiro, a Techno Car é credenciada como transformadora para militarização de veículos  pela Volkswagen/MAN, Land Rover e Toyota.

 

MOTO PEÇAS

Fundada em 1956, a Moto-Peças S.A. Transmissões e Engrenagens foi a maior indústria brasileira de componentes de câmbios e diferenciais da década de 70. Com instalações industriais em São Paulo e Sorocaba (SP) participou, sob coordenação do Exército, de diversos projetos de revitalização de equipamento militares ultrapassados ou de difícil manutenção. O trabalho conjunto com as Forças Armadas teve início em meados dos anos 70, quando modernizou cerca de 30 tratores de artilharia M-4, fabricados pela Allis-Chalmers na década de 40. A reforma envolveu a troca da caixa de marchas, transmissão, motor (por Scania de 260 cv), esteiras, roletes e suspensão (os três últimos fornecidos pela Novatração). Logo a seguir a empresa projetou e produziu as caixas de marcha para a série de blindados X-1A2 Carcará, fabricados pela Bernardini, estes derivados da modernização dos tanques M3 Stuart da II Guerra Mundial. Inspirada por estas duas experiências a Moto Peças cogitou, no final da década, também produzir máquinas para uso civil, esboçando planos de aqui fabricar tratores agrícolas da norte-americana White; a idéia, contudo, não frutificou.
No início da década seguinte, em conjunto com o CTEx, a empresa desenvolveu um projeto de aproveitamento dos velhos tanques Sherman M-4, dos quais o Exército possuía grande quantidade, transformando-os em carros blindados para engenharia. Montados sobre o chassi do M-4, do qual utilizava a suspensão e transmissão, foram equipados com lâmina frontal (intercambiável com um caça-minas) e grua hidráulica com lança rebatível e capacidade de içamento de até 10 t. Comportando tripulação de até oito homens, pesavam 29 t e conseguiam arrastar viaturas de até 40 t. Foi preparada uma pré-série de onze veículos, porém o resultado dos testes não foi satisfatório e o carro não chegou a ser homologado. Projeto mais bem sucedido foi o repotenciamento da frota de 72 obuseiros M-108 do Exército; fabricados na década de 60 e recebidos dos EUA em 1972, tiveram seu motor Detroit V8 diesel de cara manutenção substituído por um Scania nacional de 385 cv.
Na mesma época a Moto Peças foi responsabilizada pela modernização dos anfíbios M113, dando origem à série M113-B. Lançados em 1960, nos EUA, eram veículos leves para transporte de tropas (9 t), blindados em duralumínio, dos quais o Brasil recebera uma frota de mais de 500 dez anos depois. A reforma envolveu a substituição do motor original, um V8 Chrysler de 215 cv a gasolina, com o elevadíssimo consumo de um litro por quilômetro, por um diesel nacional (Mercedes-Benz de seis cilindros e 180 cv); mantendo o desempenho, a troca permitiu aumentar a autonomia em mais de 70%. Também foram substancialmente alterados os sistemas elétrico, de alimentação e arrefecimento. O primeiro lote reformado foi entregue em novembro de 1985.
(Sinal dos “novos tempos” de globalização, desnacionalização e desindustrialização do país, 25 anos depois parte da frota de M113-B do Exército passaria por nova modernização, só que então mediante convênio com os EUA e efetuada por uma empresa estrangeira – a britânica BAE Systems. Na mesma altura foi iniciada a reforma dos equipamentos pertencentes ao Corpo de Fuzileiros Navais, no caso realizada segundo projeto e sob supervisão de uma empresa israelense.)
O mais importante – e último – grande projeto de veículo militar com o qual a Moto Peças se envolveu foi o anfíbio rápido para desembarque de pessoal Charrua. Era intenção inicial do Exército apenas modernizar as viaturas M-59, oriundas da guerra da Coréia, porém acabou optando por criar uma nova família, agregando em um só veículo as qualidades do M-59 e do antigo M-113. Iniciados os estudos em 1983, o primeiro protótipo foi apresentado dois anos depois. Blindado para resistir a munições de 7,62 mm, podia ter proteção para armas com o dobro do calibre (até .50), mediante a aplicação de placas cerâmicas nas superfícies externas. Acionado por motor Scania de 394 cv, posicionado na dianteira direita, ao lado do operador, possuía caixa automática norte-americana Allison (duas marchas à frente e ré), suspensão por dez barras de torção e oito amortecedores hidráulicos e propulsão na água por dois hidrojatos. O acesso podia se dar pela larga rampa traseira de acionamento hidráulico, por duas portas localizadas na rampa ou por duas escotilhas no teto; o carro dispunha de seis seteiras e três periscópios, um deles para visão noturna.
Testado pelas Forças Armadas (também a Marinha por ele se interessou), o Charrua demonstrou excelente desempenho e facilidade de manobras tanto na terra (pela capacidade de girar em torno do próprio eixo) como na água (pela agilidade permitida pelo hidrojato). Alguns ajustes foram feitos no veículo, principalmente no exterior, originando o segundo protótipo, Charrua II. Em sua configuração básica o veículo transportava três tripulantes e nove soldados, podendo chegar ao total de 22; o peso variava entre 17 e 23 t, dependendo da versão. A enorme diversidade de usos (eram onze as versões disponíveis) era um dos principais atributos do Charrua: foi projetado para operar como carro-comando, ambulância, socorro, carro-oficina, comunicações, radar, antiaéreo, canhão de 155 mm, lançadores de mísseis, porta-morteiros de 120 mm e transporte de cargas.
O Charrua II permaneceu em testes até os anos 90. Apesar de seus dotes, o corte radical de orçamento sofrido pelas Forças Armadas impediu que o modelo fosse colocado em produção. Em paralelo, a redução das exportações, que levou a indústria brasileira de material bélico à quase extinção, acabou por inviabilizar o projeto, que ficou reduzido aos dois protótipos. Embora se tenha enfraquecido com a falta de encomendas, a Moto Peças – ao contrário da quase totalidade das empresas nacionais envolvidas com o desenvolvimento de material de defesa – conseguiu sobreviver, ainda hoje operando sob a razão social Moto Peças Transmissões S.A..
<motopecas.com.br>

 

JAMY

Jamy Indústria e Comércio de Máquinas e Ferramentas Ltda. era uma empresa fabricante de bens de capital do Rio de Janeiro (RJ), produtora de prensas hidráulicas, furadeiras industriais e máquinas extrusoras. No início dos anos 70, atendendo a demanda do Ministério da Aeronáutica, a empresa projetou e colocou em produção os primeiros veículos brasileiros de combate a incêndio em aeroportos, do tipo chamado ataque rápido, o Pioneiro I, equipado com tanques de água (1.800 l), espuma e pó químico, e o Pioneiro II, apenas com pó químico. Ambos eram construídos sobre caminhões Chevrolet a gasolina com 131 cv e tração 4×4, tendo sido fornecidos mais de 180 deles para diversos aeroportos do país. Também para a Aeronáutica a Jamy projetou e forneceu as primeiras varredeiras mecânicas aqui fabricadas; montadas sobre Mercedes-Benz 1114 e equipadas com escovas e aspiradores com alto poder de sucção acionados a motor diesel, foram aplicados como limpa-pistas em aeroportos.
Em 1976 a empresa venceu nova licitação do Ministério da Aeronáutica, agora para fornecer carros-bombeiro tipo ataque principal, mais rápidos e com maior poder de reação do que os anteriores. Denominado Pioneiro III, o caminhão foi desenvolvido segundo projeto do CTA. Desta vez foi utilizado como base mecânica um chassi Scania L-111, sobre o qual foi montada uma carroceria especial com cabine para seis homens, tanques de água (7.000 l) e espuma e um canhão d’água telecomandado com alcance de 70 metros. O chassi, originalmente com tração traseira, foi transformado em 4×4 pela própria Jamy, que para isto desenvolveu e colocou em produção todos os componentes necessários – caixa de transferência, juntas homocinéticas, roda-livre e sistema pneumático de engate da tração total (ao conjunto, disponibilizado para qualquer marca de caminhão nacional, foi dado o nome comercial Jamy 4). O Pioneiro III foi apresentado na I Brasil Transpo, em agosto de 1978; para construí-lo, a empresa alterou a razão social para Sociedade Industrial de Equipamentos Especiais Ltda..
A motivação para a mudança de nome, no entanto, era outra: ainda que tardiamente, a Jamy (que continuava a existir como marca) pretendia ingressar no segmento de veículos militares, no qual a Engesa reinava quase sozinha havia anos. (O sistema de tração Jamy 4, aliás, tinha como principal objetivo conquistar parte do mercado da Engesa, que desde 1966 dispunha de sistema equivalente, chamado Tração Total.) O primeiro projeto realizado sob as novas diretrizes da empresa foi a mula-mecânica Safo, desenvolvida em conjunto com o IME. Concebido como veículo aerotransportado para atuar em qualquer terreno, o Safo (sigla de Sistema de Alta Flexibilidade Operacional) era dotado de motor Volkswagen 1300 de 38 cv, tração nas quatro rodas, transmissão por correntes, quatro freios a disco instalados nas saídas da caixa de transferência e pneus largos de baixa pressão, próprios para solos moles e desconexos. O carro possuía um engenhoso sistema de suspensão, segundo o qual os braços traseiros (que encerravam as correntes que levavam o movimento da caixa de transferência às rodas) podiam ser articulados para adiante. Parte da plataforma de carga era então rebatida, ficando o comprimento total do veículo reduzindo a 2,45 m (79 cm a menos), interessante artifício para operações que envolvessem transporte aéreo. Estavam previstas várias versões: carga, transporte de tropas, anti-tanque, além de porta morteiros, canhões e metralhadoras.
O segundo projeto militar da Jamy, também desenvolvido com o IME, foi o Safo Comando. De concepção extremamente moderna para a época, antecedeu em quase 20 anos a Viatura Leve de Emprego Geral Gaúcho, construída com características semelhantes já no século XXI. Tinha estrutura tubular de aço, incluindo santantônio, motor traseiro Chevrolet a álcool (171 cv), diferencial autoblocante, suspensão independente por molas helicoidais, direção hidráulica e quatro freios a disco nas saídas do diferencial; a transmissão era automática, com conversor de torque e caixa de transferência com reduzida e tomada de força para guincho. Rodas e pneus eram do Dodge Commando norte-americano, veículo da II Guerra da categoria de 3,5 t, então ainda em uso pelo Exército Brasileiro, que o Safo se propunha substituir. Cada um dos modelos teve dois protótipos concluídos, mas, apesar de testados com sucesso, nenhum recebeu encomendas.
Dispondo de excelente equipe técnica, porém com fraca capacidade gerencial, a Jamy teve queda tão meteórica quanto foi a sua ascensão. Sem demanda, com excessiva verticalização e elevados custos administrativos, em 1981 a empresa entrou em processo de falência.

 

INBRAFILTRO

Uma das cinco empresas do Grupo InbraFiltro, constituído em 1979 e dedicado à fabricação de componentes aeronáuticos e produtos blindados em geral (vidros, têxteis, coletes, capacetes), bem como à blindagem de veículos civis e militares. Dispondo de duas unidades industriais em Mauá (SP), é o único fornecedor brasileiro de materiais transparentes para aeronaves, único fabricante nacional a desenvolver vidros balísticos e a maior empresa blindadora de veículos do país, sendo mesmo contratada por diversas montadoras, que vendem os automóveis transformados como originais. Em 1994 a InbraFiltro participou do desenvolvimento do protótipo do primeiro carro para transporte de valores construído sob as novas normas de segurança do Ministério da Justiça, fornecendo o composto de aço e aramida para a sua carroceria (vidros ainda eram importados dos EUA). Montado pela IPCM, o veículo pesava 580 kg a menos do que os convencionais.
Em 2002 a empresa concluiu seu primeiro veículo completo, um VBL – Veículo Blindado Leve, segundo a terminologia militar. Se tratava de um 4×4, classe de 3,5 t, para operações militares ou policiais, construído segundo projeto de fim de curso de quatro alunos da FEI. O carro tinha carroceria monobloco totalmente blindada, e utilizava todos os órgãos mecânicos do Land RoverDefender 130: motor turbodiesel Maxion de 115 cv, caixa de cinco marchas, eixos rígidos, suspensão por molas helicoidais, freios a disco nas quatro rodas e direção hidráulica. Foi planejado para receber grande variedade de armamentos, desde metralhadoras até morteiros de 81 mm, tinha proteção adequada para guerra química, biológica ou radiológica. Segundo os projetistas, tinha excelente comportamento fora-de-estrada, com vão livre de 50 cm e capacidade de vencer vaus de 1,0 m, rampas de 65% e inclinações laterais de até 30%. O veículo foi exposto no 1º Encontro Nacional de Logística Militar (ainda como mock-up), no XXII Salão do Automóvel e na feira latino-americana de defesa LAD 2003, provocando grande interesse. Na ocasião, a InbraFiltro anunciou a intenção de desenvolver uma família de veículos, projetando um 4×4 com chassi curto, baseado no Defender 100, e um 6×6.
Com o encerramento da produção do Land Rover no Brasil, porém, a empresa foi obrigada a reconsiderar seus planos, inicialmente substituindo os órgãos mecânicos por outros ainda em fabricação, buscando idealmente customizar o veículo, preparando-o para receber elementos de origem diversa. Em 2009, na LAAD (nova denominação da feira de defesa), a InbraFiltro apresentou um protótipo de VBL totalmente novo, com mecânica diferente e algumas características mais atuais do que do modelo antigo, elevando-o a uma categoria mais próxima dos carros de combate. Com peso bruto de 6,5 t e capacidade para até oito tripulantes, era mais de 30 cm mais largo do que o anterior, apesar de ter quase 12 cm a menos no comprimento e 5 cm na altura. Tais proporções, aliadas às rodas de maior diâmetro e à suspensão com 20 cm de curso, davam ao carro excelente comportamento dinâmico. Tinha a seguinte composição mecânica: motor MWM de 4,8 l e 185 cv, transmissão automática, caixa de transferência com duas reduções, suspensão por braços longitudinais e transversais e molas helicoidais e freios a disco nas quatro rodas com acionamento pneumático. Ao contrário do VBL projetado pela FEI, este era montado sobre um chassi convencional, por isso podendo receber um escudo inferior de proteção contra minas terrestres. Como item adicional de segurança, tinha para-lamas dianteiros e para-barros traseiros de fibra de vidro, projetados para se romperem em caso de explosão de minas, evitando o tombamento da viatura.
O veículo foi reapresentado na LAAD 2011 com o nome Gladiador e características algo diversas: buscando otimizar custos, manteve o estilo do modelo anterior, porém resgatou o porte e o padrão mecânico da versão de 2002-03. Assim, simplificado, o projeto teve as dimensões reduzidas (PBT de 3,5 t) e passou a utilizar mecânica Agrale (chassi e órgãos mecânicos do jipe AgraleMarruá, com motor diesel de 2,5 l e 115 cv, câmbio manual de cinco marchas e reduzida), com tração 4×4 permanente, freios a disco nas quatro rodas e ar condicionado. O projeto conceitual da carroceria (monobloco em chapa de aço balístico) e os nível de proteção e blindagem foram preservados.
Nova versão foi preparada em 2014, atendendo aos requisitos básicos do Exército para a categoria, revistos no ano anterior. O desenho da carroceria foi totalmente modificado, embora mantendo a construção monobloco em aço balístico; de maior porte do que os modelos anteriores, o Gladiador II passou a pesar 9,2 t, com capacidade de carga de 1.000 kg e espaço para até oito pessoas. Foi equipado com motor MWM de 4,8 l e 185 cv (o mesmo da versão de 2009), câmbio automatico de seis marchas com conversor, tração 4×4, suspensão totalmente independente por molas helicoidais, freios a disco nas quatro rodas (duplos na dianteira), freio de estacionamento hidráulico a disco na saída da caixa de transferência e direção hidráulica. Preparado para receber diversos níveis de proteção balística e grande variedade de equipamentos e armamentos, o Gladiador II pode ser fornecido em variadas configurações: antitanque, lançador de mísseis, carro de comando, radar, ambulância e transporte de pessoal, entre outros. Seus atributos máximos para ação fora-de-estrada são: vau, 0,80m; inclinação lateral, 300; rampa, 600; obstáculo vertical, 45 cm; ângulo de entrada, 640; ângulo de saída, 670
Projetado para concorrer a uma próxima licitação, pelo Exército, para a aquisição de 186 unidades de um novo veículo leve de reconhecimento de construção nacional (VBMT-LR, ou viatura blindada multitarefa leve sobre rodas), processo também disputado por quatro outras empresas (a Avibrás, em conjunto com a francesa Renault VI, e as multinacionais BAE SystemsIveco e AM General), o Gladiador II foi o único não aprovado na fase de pré-qualificação, encerrada em outubro de 2014.
<grupoinbra.com.br> 

FIESC

Apesar de dispor de desenvolvida indústria metalmecânica, até muito recentemente o Estado de Santa Catarina não lograra atrair para seu território nenhum fabricante de veículos completos. Além de ter participação significativa no segmento de componentes (uma das maiores fundições de blocos do país está instalada em Joinville), Santa Catarina sedia a Busscar, tradicional fabricante de carrocerias de ônibus, e foi escolhido pela GM (já no presente século) como local para a construção de sua nova unidade de motores. Somente em 2012, no entanto, o Estado foi escolhido por um importante fabricante – a BMW – para implantação de uma planta completa de automóveis.
Foi com a missão declarada de “buscar uma alternativa de agregação de valor a este segmento” – o que idealmente ocorreria ao transformar Santa Catarina em produtor de veículos completos – que um grupo de empresários, reunidos em torno da Federação das Indústrias do Estado, em 1997 criou o PRODEC – Programa de Desenvolvimento Automotivo Catarinense. Entre os principais instrumentos de atuação do Programa estava promover a elaboração de projetos de automóveis e caminhões, como etapa de fomento à implantação de empreendimentos no setor.
O primeiro produto desta ação foi apresentado á imprensa no final de 2004. Era um moderno jipe 4×4 com suspensão independente, projetado e construído com tecnologia e componentes catarinenses e utilizando modelos matemáticos e softwares sofisticados no dimensionamento das partes e sistemas e no desenho da carroceria. Denominado A4, o projeto deu origem à TAC, ainda em fase de implantação, iniciativa que a FIESC imaginou se constituiria na primeira indústria automotiva do Estado.
O segundo veículo desenvolvido sob patrocínio da Federação foi o caminhão militar M8 Octopus, apresentado em junho de 2005. Equipado com motor diesel MWM de seis cilindros e 130 cv, tratava-se de um 8×8 com dois eixos dianteiros direcionais e suspensão independente, cada par de rodas sustentado por dois feixes de molas semi-elípticas com pivô central. O projeto previa a possibilidade de adaptações para operação como ambulância, defesa civil, bombeiros e resgate. A versão militar tinha capacidade para 16 soldados equipados, podendo receber dispositivo para lançamento de mísseis e, no futuro, sistema de direção telecomandada; um computador de bordo monitorava todas as funções do caminhão. Com o M8 foi desenvolvido um original mecanismo de deslocamento para terrenos extremamente difíceis, nos quais mesmo a tração total se mostra insuficiente, ocasião em que esquis “rastejadores” com garras de aço acionados hidraulicamente passariam a impulsionar o veículo.
<fiescnet.com.br> 

ENGESA

A Engesa – Engenheiros Especializados S.A. foi o mais importante produtor de equipamentos militares de uso terrestre do país. Fundada em São Paulo (SP), em 1958, por um grupo de engenheiros recém-formados liderado por José Luiz Whitaker Ribeiro, a empresa, que nos primeiros anos se dedicou à fabricação de equipamentos para a prospecção, produção e refino de petróleo, acabou por colocar o Brasil, na década de 80, na quinta posição entre os maiores exportadores mundiais de material militar. Congregando em seu quadro técnico profissionais de excelente formação, muitos deles oriundos do ITA, a história de sucessos da empresa teve início em 1966, com o projeto e fabricação de um sistema de tração 4×4 para equipar veículos de série nacionais, composto de caixa de transferência com duas tomadas de força, eixo dianteiro direcional e guincho (opcional). Comercialmente anunciado como Tração Total, logo foi seguido das versões 6×4 e 6×6, ambas aproveitando eixos e feixes de molas traseiros originais do veículo. Preparada para as linhas de picapes e caminhões Chevrolet e Ford (e mais tarde Dodge), a Tração Total Engesa dotava-os de comportamento fora-de-estrada de desempenho desconhecido no país em veículos da categoria (um F-100 6×6, por exemplo, tinha a capacidade de carga duplicada, podendo galgar rampas de até 85%). O sistema foi patenteado no Brasil e no exterior.

Tração Total: um projeto de engenharia mecânica decretado “de interesse da Segurança Nacional

O crescimento da Engesa esteve intimamente ligado aos anos da ditadura militar. Em 1967, a Tração Total foi oficialmente considerada “de interesse para a Segurança Nacional“, sendo a empresa contratada pelo Exército para o fornecimento de algumas centenas de caminhões novos (Chevrolet 4×4 e 6×6), bem como para a modernização de parte da frota usada, originária da II Guerra Mundial. Neste quesito, o contrato envolvia reforma de chassis e carrocerias, repotencialização de motores e substituição de suspensões e tração pelos sistemas de sua fabricação. A empresa não deixou de se dedicar ao mercado civil, adaptando veículos para a Petrobrás, empreiteiras, concessionárias de energia e madeireiras e, desde 1968, expondo seus produtos nas diversas edições do Salão do Automóvel.
Em paralelo, porém, cresciam seus vínculos com as Forças Armadas, relação especialmente favorecida pelo Decreto-Lei 200/67, que tratava da organização administrativa da Administração Federal e recomendava ampla descentralização de atividades. Segundo o documento, “a administração [federal] procurará desobrigar-se da realização de tarefas executivas, recorrendo (…) à execução indireta (…), desde que exista (…) iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução“. Como conseqüência direta dessas diretrizes, houve quase imediata redução das verbas e dos quadros de servidores civis dedicados a pesquisa e desenvolvimento, inclusive no Exército, resultando na transferência de parte destas incumbências para o setor privado. A Engesa foi uma das maiores beneficiadas por este processo. Seu crescimento foi rápido (960 veículos em 1968 e 1.371, dois anos depois), assim como foi acelerado o processo de criação de novos produtos para as Forças Armadas.
Em 1969 a empresa apresentou novo sistema de tração dupla traseira, ao qual chamou Boomerang, que viria a ser fundamental no desenvolvimento de diversos veículos militares e maior trunfo na penetração internacional de seus produtos na década seguinte. Tratava-se de um projeto a um só tempo de construção simples, resistente e barata, e que dava ao veículo excepcional desempenho fora de estrada, mantendo as quatro rodas traseiras em contato permanente com o solo, por mais irregular que fosse o terreno. Em vez dos dois eixos traseiros suportados por feixes de molas dos sistemas tradicionais, o Boomerang exigia apenas um eixo de tração, nas pontas do qual eram montadas duas caixas de engrenagens (cujo formato lembra os bumerangues australianos), cada uma delas distribuindo o movimento para duas rodas. Eram estas mesmas caixas de engrenagens, independentes entre si e com enorme amplitude de variação do ângulo com o solo, que garantiam o contato das rodas traseiras com pisos irregulares e desagregados. O sistema não se prestava à tração de cargas elevadas (caso em que devia ser utilizado o sistema tradicional), porém era suficiente para as principais aplicações militares.

Cascavel e Urutu, sucessos internacionais

A primeira mostra da grande capacitação da Engesa como fabricante de armamentos modernos ocorreu em abril de 1971, com a apresentação à imprensa de dois blindados sobre rodas, construídos segundo projeto e especificações básicas definidos pelo Exército – uma veículo para reconhecimento (CRR) e um anfíbio para transporte de tropas (CTR-A): eram os protótipos do EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu, inaugurando a série de equipamentos militares com nomes de cobras venenosas que a Engesa produziria nos anos seguintes. Primeiros da categoria concebidos no país, eram carros leves (13 t) com tração nas seis rodas, caixa com cinco marchas e reduzida (transmissão automática opcional), suspensão independente por molas helicoidais na frente e sistema Boomerang atrás, freios pneumáticos a disco nas seis rodas, pneus à prova de balas com regulagem remota de pressão e direção hidráulica. A carcaça, de construção monobloco e com blindagem bimetálica desenvolvida pela própria Engesa, recebia isolamento térmico e acústico. Apesar de terem arquitetura semelhante, os dois veículos se diferenciavam pela localização e potência do motor, traseiro no Cascavel (Mercedes-Benz de 174 cv ou Detroit de 212 cv) e dianteiro esquerdo no Urutu (Mercedes-Benz de 190 cv ou Detroit de 260 cv).
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Blindado anfíbio EE-11 Urutu participando de exercício militar em Ponta Porã (MS), em outubro de 2013 (fonte: site forte.jor).
As primeiras unidades do Cascavel foram equipadas com armamento de 37 mm usado, retirado de velhos blindados da II Guerra; a segunda série já recebeu equipamento atualizado – torreta francesa com canhão de 90 mm. No entanto, além de ser excessivamente cara, a Engesa estava obrigada a solicitar autorização à França para exportar veículos equipados com tal armamento, o que levou o Exército a fabricar seu próprio canhão 90 mm (de projeto belga). O Cascavel armado do canhão nacional foi considerado, por analistas internacionais, um dos melhores blindados leves de reconhecimento do mundo. Quanto ao Urutu, que transportava dez soldados armados, além do motorista e do chefe do carro, tinha carroceria selada para permitir flutuabilidade. O modelo deu origem a diversas versões especializadas: ambulância, carro oficina, antiaéreo, carro de comando e anfíbio, este, capaz de navegar em águas agitadas a até 12 km/h, equipado com hélices, leme e tubos telescópicos para entrada de ar e saída dos gases do motor.
Eram os seguintes os dados de desempenho dos dois veículos: ângulo de ataque, 72°; ângulo de saída, 80°; capacidade de subida, 65%; máximo obstáculo vertical, 60 cm; vau (sem preparação), 1,00 m; velocidade máxima na estrada, 100 km/h; autonomia, 750 km. Veículos velozes, com baixo custo de aquisição e facilidade de manutenção (por utilizarem grande quantidade de peças de veículos de série), Cascavel e Urutu seriam produzidos por mais de 15 anos. Se constituíram em um sucesso de exportação, até hoje equipando diversos exércitos estrangeiros. Sua eficiência ficaria mundialmente famosa no deserto líbio e na Guerra do Golfo; anos depois seria presença constante nas Forças de Paz da ONU no Haiti. 2.626 unidades foram fabricadas (1.738 Cascavel e 888 Urutu), cerca de 75% exportadas para 18 países.
Estimulada pelos planos de investimentos das Forças Armadas e vislumbrando o grande mercado do Oriente Médio, em 1974 a Engesa transferiu suas instalações principais para São José dos Campos (SP); também criou a Engex, fábrica de engrenagens, caixas e canhões em Salvador (BA). Ainda em 1974 lançou seus dois primeiros modelos de caminhão: EE-15 e EE-25, respectivamente para 1,5 e 2,5 t, em utilização fora-de-estrada (ou o dobro, em pisos regulares). Concebidos para uso militar e civil, tinham estilo espartano e cabine metálica com capota de lona. O EE-15 tinha dois eixos e tração nas quatro rodas, com caixa de redução e tomada de força, eixos flutuantes e suspensão por molas semi-elípticas; os motores podiam ser a gasolina (Chevrolet de 149 cv) ou diesel (Mercedes-Benz de 149 cv ou Perkins de 140 cv). O EE-25 estava disponível com tração 4×4 e 6×6, este com eixo traseiro Boomerang; era equipado com motor Dodge V8 a gasolina, Mercedes-Benz (174 cv) ou Detroit, ambos a diesel.

Ingressando no mercado civil

O X Salão do Automóvel, em novembro de 1976, inaugurou a entrada da Engesa em novo segmento, o dos veículos especializados para a agricultura, com o lançamento do primeiro trator florestal articulado do país – o moderno EE-510. Com capacidade para até 10 t e caçamba própria para transportar toras de até 7,0 m de comprimento, o veículo possuía sua própria grua, controlada da cabine. A cabine, por sua vez, possuía isolamento termo-acústico, ar condicionado e assento giratório com regulagem e amortecedor. Impulsionado por motor diesel MWM de seis cilindros e 130 cv, tinha câmbio automático, tração nas quatro rodas, tomada de força, freios pneumáticos com duplo circuito e direção hidrostática.
Em 1977 (ano em que o Brasil denunciou o Acordo de Assistência Militar havia um quarto de século mantido com os EUA), a Engesa apresentou seu terceiro blindado, o caça-tanques EE-17 Sucuri, de 18 t. Tomando o Cascavel como base, o veículo manteve a configuração 6×6, porém teve a distância entre eixos aumentada em 1,10 m e recebeu potente motor Detroit de 300 cv (localizado na dianteira direita), transmissão automática, suspensão por feixe de molas semi-elípticas e pesado armamento – uma torre oscilante francesa com canhão de 105 mm, montada sobre o rodado traseiro. A nova mecânica tornou o Sucuri o primeiro caça-tanques sobre rodas do mundo e o mais veloz de todos eles (110 km/h na estrada e 80 em terrenos irregulares). O alto custo da torre importada, no entanto, inviabilizou a produção do carro, que permaneceu como protótipo.
Anos depois, entre 1986 e 87 o projeto seria totalmente revisto, dando origem ao EE-18 (ou Sucuri II). Três importantes alterações foram introduzidas: novo motor Scania turbo, com 384 cv (elevando a velocidade máxima para 115 km/h), suspensão hidropneumática (menos volumosa que o Boomerang) e nova torre, desenvolvida pela Engesa, com canhão italiano de 105 mm. Apesar de o veículo ter o perfil rebaixado com relação ao modelo anterior, ainda ganhou espaço para mais um homem na guarnição (que subiu para quatro). Apesar das suas qualidades, também o Sucuri II não passou da condição de protótipo.
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Trator agrícola extra-pesado 1128, um dos diversos produtos para uso civil fabricados nas décadas de 70 e 80 pela Engesa (fonte: site fretao).
Antes de terminar a década, a Engesa havia preparado mais dois veículos militares: um caminhão pesado e um blindado leve. O caminhão era o EE-50, modelo 6×6 com cabina avançada, motor Scania de 202 cv, eixo traseiro Boomerang e direção hidráulica. Tinha capacidade para 5 t, em condições de operação fora de estrada (ou 10 t em piso normal) e autonomia de 700 km, podendo vencer rampas de até 60%. O blindado era o EE-3 Jararaca, veículo de reconhecimento com dois eixos e armamento leve – mais um derivado do bem-sucedido Cascavel. Suas especificações incluíam tração integral, motor traseiro Mercedes-Benz turbo de 110 cv, caixa manual de cinco marchas, suspensão por feixe de molas e direção hidráulica. Ágil e compacto, com apenas 5,8 t e 1,28 m de altura, tinha porte apropriado para ser aerotransportado e lançado de pára-quedas, podendo substituir com enormes vantagens viaturas de ¼ t, da categoria dos jipes, tradicionalmente utilizadas nas missões de reconhecimento. Foram fabricados 63 EE-3, quase todos destinados à exportação.
A capacidade técnica demonstrada pela Engesa suscitava demandas externas diversas, nem sempre compatíveis com seus focos de atuação. Assim, em 1977 recebeu da EBTU solicitação para desenvolver o projeto de trólebus articulado para 400 passageiros, para operar no futuro sistema integrado de Goiânia; o pedido, no entanto, não teve seguimento. No ano seguinte, ainda por demanda da EBTU, construiu um protótipo de micro-ônibus a bateria, projeto coordenado por Rigoberto Soler, oriundo da FEI e recém-contratado pela empresa. Financiado pelo CNPq, o veículo tinha 5,7 m de comprimento e 15 lugares, estrutura de duralumínio, comandos eletrônicos de tipo chopper e motor elétrico de 33 kW (os componentes eletro-eletrônicos foram fornecidos pela Siemens e Bardella Borriello). Um banco de 30 baterias chumbo-ácido (144 V) proporcionava autonomia de 120 km (aproximadamente oito horas). Concluído no início de 1979, o micro-ônibus foi testado por quatro meses na cidade de São Paulo. Previa-se frota de 50 unidades, para operação experimental em Brasília, etapa que não foi concretizada pela extinção das verbas de responsabilidade do Ministério dos Transportes. Com base na experiência adquirida com este veículo, a Engesa começou a desenvolver diversas versões para coleta de lixo e entregas urbanas (correios, leite, etc.); com um deles, em 1981 participou de uma concorrência (perdida para a Gurgel) para o fornecimento de carros elétricos para a Telebrás. Nenhum destes projetos gerou encomendas.
Em 1981 a Engesa lançou seu segundo trator, desta vez para tracionar implementos agrícolas pesados (depois da Case e da Müller, foi o terceiro fabricante nacional a produzir máquinas de tal porte). Denominado EE-1124, foi desenvolvido com tecnologia própria e deu origem a uma família de seis modelos. Articulado, tinha motor Cummins da série N, com 240 cv, caixa mecânica de nove marchas com reduzida (totalizando 18 velocidades à frente e quatro a ré), freios hidráulicos a disco na saída da transmissão, rodagem simples ou dupla e direção hidrostática. A cabina era dimensionada contra capotamento e tinha ar condicionado, vidros verdes e banco regulável com suspensão (anos depois foi agregada a versão 1128, com motor turbo). Assim como o trator florestal, o novo modelo atingia 97% de nacionalização.

Blindado Osório: começando a perder a guerra no mercado mundial de armamentos

Se o lançamento do trator agrícola pesado representou um salto na gama de equipamentos para a área civil, logo a Engesa mudaria de patamar também na área militar. No final de 1982 foi comissionada pelo Exército para fabricar carros de combate médios sobre lagartas, da classe de 35 t – o mais pesado do país e primeiro da empresa. Dada a reduzida demanda interna, a Engesa decidiu dotar o veículo de características adequadas ao mercado externo, elevando o peso para 41 t (alçando-o à categoria MBT – main battle tank) e aplicando tecnologia embarcada de última geração, visando especialmente à grande concorrência anunciada para breve pela Arábia Saudita, envolvendo compras superiores a US$ 3 bilhões.
Inicialmente denominado T-1, e logo batizado EE-T1 Osório, o novo carro de combate deveria ser equipado com eletrônica sofisticada e privilegiar poder de fogo, proteção e mobilidade, com o propósito de equipará-lo à nova geração de tanques que vinham sendo lançados em outros países. Pontaria a laser, controles para tiro em movimento, visão noturna, proteção QRB (química, radioativa e biológica) e sensor térmico infra-vermelho eram modernos recursos dos quais poderia dispor. Para ele foi projetada uma blindagem mais leve e mais resistente, com chapas combinando materiais metálicos e compostos, especialmente desenvolvidas pela Eletrometal, mesma empresa que produzia os aços especiais para os canhões Engesa.
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Blindado médio sobre esteiras Osório em material publicitário contemporâneo da Engesa.
A gestação do Osório foi complexa e teve final frustrante. Quando do início do detalhamento do projeto, a Engesa buscou adquirir tecnologia junto aos principais fabricantes estrangeiros, sem sucesso, levando à decisão de desenvolvê-lo internamente, com base no que havia de mais atualizado em componentes importados, quando necessário. Foram projetadas duas versões, uma delas mais simples, para atender aos requisitos do Exército Brasileiro. Assim, foram encomendados à britânica Vickers dois modelos de torres, intercambiáveis e com comando elétrico, para canhões de 105 e 120 mm (este, de origem francesa). O sistema de suspensão também seria inglês, da Dunlop, enquanto que os conjuntos de lagartas, o motor MWM V12 de 1.020 cv e a transmissão ZF viriam da Alemanha. Dimensionado para quatro tripulantes, o veículo tinha estrutura monobloco composta por chapas blindadas soldadas, com saias laterais para proteção da suspensão e esteiras; motor e transmissão (automática com conversor de torque) eram montados na traseira. A suspensão era hidropneumática, agindo sobre cada uma das doze rodas de apoio (seis de cada lado). O sistema de frenagem (hidráulico a disco com retarder) era assistido por computador. O primeiro chassi saiu para testes em setembro de 1984, ainda com torre e canhão falsos, e a partir de maio do ano seguinte com a primeira torre Vickers, que acabara de chegar ao país.
Em julho de 1985 o protótipo do Osório foi embarcado para a Arábia Saudita para participar do processo de pré-seleção dos concorrentes à licitação que previa, a princípio, aquisição de mil carros de combate. O carro brasileiro foi escolhido, ao lado de três modelos da França, Grã-Bretanha e EUA. Em julho de 1987 o protótipo definitivo, equipado com canhão de 120 mm e o estado-da-arte em eletrônica embarcada, partiu para o Oriente Médio para a seleção final. Eram os seguintes seus dados de desempenho: rampa máxima, 65%; máximo obstáculo vertical, 1,15 m; vau, 1,20 a 2,00 m (sem e com preparação); velocidade máxima, 70 km/h; autonomia, 550 km. Nenhum tanque da categoria, no mundo (à exceção do alemão Leopard, fora da disputa), reunia em um só projeto a qualidade mecânica e todos os sofisticados sistemas de controle agregados ao Osório. Como era de se esperar, sua performance diante dos demais concorrentes foi excepcional, especialmente nos testes de autonomia e tiro (neste, o Osório foi o único a acertar alvo a 4 km de distância; dos tiros a alvos móveis entre 1,5 e 2,5 km, acertou oito vezes em 12, enquanto que o candidato dos EUA acertou cinco e os demais apenas um). O tanque francês e o britânico foram desclassificados e, embora o equipamento nacional tenha superado também o norte-americano, os dois foram escolhidos como finalistas. Por pressão política do governo norte-americano, no final de 1990 a Arábia acabou por optar pelos equipamentos daquele país, desistindo dos brasileiros. Os estimados vinte milhões de dólares gastos no projeto do Osório não resultaram em nenhuma encomenda para a Engesa; apenas cinco protótipos foram construídos, um deles incompleto. As duas únicas unidades sobreviventes encontram-se desde 2003 de posse do Exército.
À medida que diversificava a linha de produtos e necessitava atualizar a tecnologia aplicada, a Engesa ampliava seus domínios, criando novas empresas ou absorvendo outras já existentes. Assim, em 1983, quando começava a desenhar o Osório, em associação com a Philips holandesa fundou a Engetrônica – Engesa Eletrônica, com 60% do capital, objetivando nacionalizar equipamentos eletrônicos para blindados, tais como visores para combate noturno, pontaria a laser e sistemas diretores de tiro. No mesmo ano incorporou a FNV, tradicional fabricante de equipamentos rodoviários e ferroviários e de fundidos, com unidades em Cruzeiro e Pindamonhangaba, e a Bardella Borriello, de material elétrico, em Jandira, todas no estado de São Paulo.

Engesa 4: de repente, no mercado, o melhor jipe até então produzido no país

Ainda em 1983 adquiriu o controle da Envemo, que havia mais de um ano tinha pronto o protótipo de um jipe militar de ¾ t, de imediato aproveitado pela Engesa como caminhão leve, com a designação EE-34. Equipado com motor diesel Perkins de 77 cv, quatro marchas, caixa de transferência com duas velocidades, tração nas quatro rodas, suspensão por feixes de molas, freios a disco na frente, direção hidráulica, capota de lona e para-brisa rebatível, o carro foi oferecido em cinco versões: uso geral, posto de telecomunicações, transporte de mísseis, transporte de prisioneiros e ambulância. O caminhão leve foi fornecido para o Exército, mas o jipe não chegou a ser colocado em produção. Logo se revelaria a razão: antes do final daquele ano, cheio de lances ousados, a Engesa liberou algumas informações sobre a grande surpresa que havia preparado para o ano seguinte – um moderno jipe leve, para uso civil e militar (categoria de ¼ t), de projeto inédito, já em fase final de execução.
O jipe Engesa EE-12, maior sucesso da empresa no mercado civil, foi apresentado ao público no XIII Salão do Automóvel, em novembro de 1984, e doze meses depois lançado como Engesa 4. Desde o chassi tubular de desenho inovador (fabricado na FNV) até a carroceria metálica de linhas angulares e funcionais, equilibradas e simpáticas, o carro foi concebido para ser um instrumento de trabalho, valente e resistente, sem maiores preocupações com o conforto interno e nenhuma sofisticação. Segundo palavras textuais da revista 4×4 & Pickup, foi “um dos veículos mais fantásticos que já pudemos avaliar até hoje. (…) Estávamos no Galaxie do fora-de-estrada“. Com quatro barras oscilantes longitudinais e molas helicoidais de longo curso, a suspensão era seu ponto alto; aliada à tração nas quatro rodas, proporcionava incomparável condução fora de estrada, situação que se invertia no asfalto, onde era instável e lento; tinha freios a disco na frente, porém a direção era mecânica. Três motorizações foram anunciadas, quando do lançamento: Chevrolet 2,4 litros a gasolina ou álcool (85 e 88 cv) e Volkswagen Kombi diesel (1,6 l e 50 cv), versão que só viria a ser disponibilizada quatro anos depois. A caixa era de cinco velocidades, sem redução. Havia duas versões de acabamento: standard, com capota de lona, santantônio, para-brisa rebatível e rodas de disco pintadas; e luxo, com capota metálica, vidros deslizantes na frente, porta traseira de duas folhas horizontais, acabamentos plásticos nos para-lamas (mais largos, nesta versão), rodas largas cromadas e melhor acabamento interno. O carro, que tinha 500 kg de capacidade de carga (mais 250 kg rebocados), podia vencer rampas de 60% e atravessar vaus com até 60 cm de profundidade.
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Engesa 4, até hoje um “queridinho” dos jipeiros (fonte: site blog4x4.blogspot).
O Engesa 4 teve ótima receptividade: a demanda superou a oferta, inicialmente limitada à faixa das 60 unidades mensais. Sendo o único produto da empresa com potencial significativo de vendas no mercado civil (em quantidade), a ele foi dedicada especial atenção, quer nas campanhas publicitárias, quer nas melhorias para ele preparadas ao longo dos anos. No final de 1986 o carro ganhou capota rígida em fibra de vidro (fabricada pela Envemo), em lugar da metálica, com grande área envidraçada e portas com vidros de acionamento por manivela. Um ano depois, o entre-eixos cresceu 20 cm (o modelo recebeu o sobrenome Fase II), tornando possível a abertura de espaço atrás do banco traseiro para alojar pequenas cargas. As portas laterais e a tampa traseira aumentaram de tamanho, foram eliminados ressaltos no piso e deslocada para trás a saída do cano de descarga, que era lateral. Os pontos de fixação dos limpadores de para-brisa passaram para a margem inferior do vidro; lanternas de direção laterais, volante acolchoado, painel com nova disposição dos instrumentos e (pouco eficiente) sistema de ventilação forçada foram outras novidades. Em novembro de 1988, no XV Salão do Automóvel, foi finalmente apresentada a versão diesel, não mais com motor VW, mas Perkins de quatro cilindros e 90 cv.
No início do segundo semestre de 1986, em meio à preparação da versão final do Osório para a concorrência da Arábia Saudita, a Engesa anunciou um canhão de 155 mm para o lançamento de obuses, com alcance de 40 km, e apresentou o Sucuri II (a já citada atualização do EE-17) e o novo tanque leve EE-T4 Ogum. Pesando apenas 4,9 t, o Ogum era veículo leve, rápido e versátil, próprio para ser aerotransportado. Projetado para o Iraque, onde foi testado, compreendia diversas versões: reconhecimento, comando, torre para duas metralhadoras, canhão de 20 mm, porta-morteiro de 120 mm, antitanque lançador de mísseis (armamento que a empresa começava a fabricar através de mais uma subsidiária, a Órbita, em sociedade com a Embraer), transporte de munição, transporte de pessoal e ambulância. Tinha estrutura monobloco construída com chapas blindadas soldadas, suspensão por barras de torção, quatro conjuntos de rodas emborrachadas de cada lado e freios a disco atuando na direção. Quatro protótipos foram construídos, todos com transmissão automática de quatro velocidades: dois com motor Perkins turbo (quatro cilindros e 125 cv) e dois com motor alemão BMW diesel (seis cilindros e 130 cv); o trem de força era montado na dianteira, à direita. Apesar das suas pequenas dimensões (3,63 m de comprimento, 1,31 m de altura), comportava guarnição de quatro homens. Ao mesmo tempo em que apresentava o Ogum, em São José dos Campos, a Engesa participava da IX Expointer, feira agro-pecuária de Esteio (RS), mostrando seu quinto (e último) modelo de trator articulado, EE-918, equipado com o novo motor Cummins série C; ainda em fase de testes, era o modelo de menor porte da marca, depois do EE-815 (motor Cummins de 145 cv e seis marchas com reduzida), lançado poucos meses antes.

Em três anos, concordata e falência

Estes foram os últimos projetos concretizados pela Engesa. Em setembro de 1987 a situação financeira da empresa deu novos sinais de alerta, e a partir daí foi um lento e contínuo processo de exaustão e desgaste, até o pedido de concordata preventiva requerido em março de 1990. O principal motivo alegado para a derrocada foi a perda da concorrência na Arábia Saudita. Este foi, porém, apenas o estopim que detonou a grande crise financeira que hibernava na empresa, sempre adiada pelo potencial imenso do mercado mundial de armamentos e pela aparentemente incessante capacidade da seu corpo técnico desenvolver produtos competitivos. A guerra pela sobrevivência foi perdida, simultaneamente, no terreno externo e no interno, com a decisiva contribuição (negativa) da própria Engesa, empresa com excepcional capacidade técnica de engenharia e projeto, agressiva no mercado internacional, porém temerária na gestão de seus negócios e desinteressada em enfrentar, estruturalmente, as dificuldades que ano a ano se avolumavam.
Vinham de longe os seus problemas: já em 1981 (apesar das vendas elevadas, estimadas em 700 milhões de dólares naquele ano) mostrou os primeiros sinais de fragilidade, quando os trabalhadores da fábrica de São José dos Campos deflagraram greve por atraso de pagamentos e pelo não recolhimento, por quase um ano, da parcela patronal do FGTS. Os salários foram regularizados, mas os graves problemas financeiros, materializados no endividamento excessivo, nas elevadas despesas financeiras, nos empréstimos de curto prazo e no baixo capital de giro não só foram desprezados, como agravados pela política de crescimento quase megalômana da empresa. (Lembremos que em menos de três anos, entre 1984 e 87, a Engesa criou três novas subsidiárias, assumiu o controle da Bardella Borriello, Envemo e FNV e, para culminar, participou da privatização da fábrica de helicópteros Helibrás, com 31% do capital.)
É conhecido o ambiente predatório que envolve o comércio internacional de armamentos, onde barganha, pressão política e mesmo ameaças veladas são a regra. Una-se a isto altos custos de desenvolvimento de novos equipamentos, insegurança no retorno dos investimentos e elevados (porém necessários) gastos para participar de competições no exterior, enfrentando concorrentes amparados pelas maiores potências do planeta. A Engesa era dependente deste mercado instável, que respondia por 85% do seu faturamento. O front interno pouco podia contribuir, dada a contínua redução da capacidade de compra das Forças Armadas e a limitação do mercado civil, já que os produtos da empresa eram todos de alto valor unitário. Ademais, havia que se conviver com a oferta, pelos EUA, de equipamentos desativados obsoletos, vendidos a preço simbólico para “aliados do Terceiro Mundo”, exatamente aqueles que se constituíam na maior clientela para o material brasileiro, reputado como simples, resistente, de fácil operação e manutenção. Portanto, a perda da concorrência na Arábia Saudita foi apenas a “pá de cal” num processo muito mais complexo.
Antes do final da década o Exército ainda colocou uma grande encomenda de caminhões junto à Engesa; apesar de paga, só pequena parte foi entregue. Em 1991, a britânica British Aerospace, em consórcio com a empreiteira brasileira Norberto Odebrecht, declarou interesse em adquirir o controle da Engesa, porém sem assumir seu passivo (estimado em US$ 400 milhões) e incluindo no negócio uma unidade federal fabricante de munições, em Minas Gerais. Os entendimentos não tiveram seqüência e, em outubro de 1993, a falência foi decretada. O Governo Federal, em mais uma das muitas ações irresponsáveis da administração Collor, não intentou nenhum movimento no sentido de salvar aquele patrimônio tecnológico, colocando-o nas mãos de outro grupo gestor.
De um golpe desfez-se uma equipe altamente capacitada e perdeu-se todo um conjunto de conhecimentos que em poucos anos conseguira colocar o país, como nunca antes na história, tão próximo da autonomia no equipamento de suas Forças Armadas Terrestres. Falta de visão estratégica e ausência de política industrial, cujos reflexos ainda se fazem sentir: passados vinte anos, nunca mais o país produziu engenhos militares tão modernos e sofisticados. Hoje, mesmo o repotenciamento das viaturas exportadas, vendidas a 18 países, está sendo feito no exterior.
Em 2001 a fábrica de São José dos Campos foi vendida à Embraer. O estoque de peças e veículos incompletos constante da massa falida foi adquirido pela Universal Importação, Exportação e Comércio Ltda.. Fundada em 1967, como fornecedora de peças para o Exército, a Universal é sediada no Rio de Janeiro (RJ), onde disponibiliza um estoque com mais de 30 mil itens para reposição de veículos civis e militares. O jipe Engesa 4 teve melhor sorte: em 1999, um empresário do Paraná arrematou um lote de peças e relançou-o com o nome Envesa; em 2002, seguindo suas especificações básicas, porém com porte aumentado, as firmas Ceppe e Columbus desenvolveram o jipe Marruá, projeto vendido à Agrale e até hoje em produção.